A dor crônica no contexto dos Cuidados Paliativos (Maria Goretti Maciel)

O conceito de dor usado mundialmente hoje é o da Associação Internacional de Estudos da Dor (IASP) e afirma que a dor é uma “Experiência sensorial e emocional desagradável, associada a dano presente ou potencial, ou descrita em termos de tal dano”. Este conceito avança na direção de admitir que a dor é uma experiência única e individual, modificada pelo conhecimento prévio de um dano que pode ser existente ou presumido. Neste sentido, a dor de um paciente portador de uma doença fora de possibilidade de cura pode ter uma conotação terrível pelo fato de anunciar-lhe de certa forma que a sua morte está a caminho. Para algumas culturas este sintoma também pode ser associado à expiação de culpa ou ser parte natural de uma doença, não podendo ser tratado com sucesso. Portanto, admitir a importância do alívio da dor desde o início do tratamento de uma doença até as últimas horas de vida é condição fundamental para todos que trabalham com doentes em qualquer especialidade. O conhecimento do seu controle deve ser parte da formação obrigatória de todos os profissionais da área de saúde, sobretudo do médico, responsável pela prescrição de medicamentos imprescindíveis para o seu alívio. 1.Dor Total: Na década de 1960, a médica inglesa Cecily Saunders acrescentou ao conhecimento da dor o conceito de dor total, através do qual admite que uma pessoa sofre não apenas pelos danos físicos que possui, mas, também pelas conseqüências emocionais, sociais e espirituais que a proximidade da morte pode lhe proporcionar. Saunders estabeleceu a importância de uma abordagem multidisciplinar e da presença de uma equipe multiprofissional para que se obtenha o máximo sucesso no tratamento desta pessoa. De fato, ao abordarmos pacientes portadores de doenças evolutivas e sem possibilidade de cura, percebemos muitas vezes que em determinadas situações os medicamentos não são suficientes para proporcionar o completo alívio da dor maior de viver os últimos dias, de não entender porque está gravemente enfermo, de deixar filhos desamparados, separar-se de seu amor, de não poder sustentar sua família e de não conseguir compreender o real sentido para a sua vida. 2.Dor Geral: Admitimos que a dor é geral quando ela extrapola os limites da pessoa doente e afeta também as pessoas de sua convivência, sua casa e até a equipe que a atende. O paciente com uma dor que se arrasta por semanas ou meses dificilmente reclama, chora ou geme. Um mecanismo fisiológico de proteção altera as características da percepção desta dor e as mudanças de humor e comportamento preponderam sobre as queixas específicas. Este mecanismo recebe o nome de modulação e é responsável por alterações de comportamento como a depressão ou agressividade associadas freqüentemente à dor crônica. Aquele paciente encolhido em seu leito, com olhar vago, de poucas palavras e expressão pesada, de cenho franzido deve chamar a atenção do profissional de saúde. Se perguntar se tem dor, pode demorar um pouco a responder, mas, aos poucos vai contar de dores terríveis e intensas, das quais até já se cansou de falar e não ser ouvido. A visita à casa do paciente revela situação semelhante. Além do doente, a dor contagia toda a família, o ambiente, quem a freqüenta. Após dias de sofrimento testemunhado, as pessoas que convivem com o doente parecem ficar alheios à dor e mergulhar em um outro tipo de sentimento muito profundo, de tristeza e impotência. O médico e sua equipe também se modificam ao lidar com pacientes que têm dor, quando esta tem difícil controle. Cada nova proposta terapêutica que fracassa aumenta o sentimento de impotência da equipe e, sem perceber, o doente vai sendo menos visitado. As novas alternativas vão sendo testadas sem o mesmo entusiasmo inicial. Um misto de culpa e mais impotência se instalam e imobilizam o trabalho de profissionais desavisados desta possibilidade. Aprender a lidar com estes sentimentos e buscar supera-los deve ser parte do aprendizado da equipe de Cuidados Paliativos.

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