A migração da morte ou o turismo suicida (Ayala Gurgel)



Graças aos interditos do pleno exercício da dignidade humana que existem na Europa (ao contrário do que se propaga, nunca acreditei que o velho continente fosse exemplo de humanismo), centenas de pessoas migram de seus países - e também de outros continentes - rumo à Suiça, Bélgica, Holanda e Luxemburgo em busca do exercício do seu direito de morrer.
Como nesses países o suicídio assistido é permitido e regulamentado pelos seus conselhos de Medicina, diversas clínicas especializadas, como a Dignitas, organizam viagens de estrangeiros com essa finalidade. Só na Suiça, dos 1.360 suicídios que ocorreram no ano de 2007, 400 foram assistidos. Estima-se que a maioria de estrangeiros, especialmente britânicos.
Há muito lucro em cima disso, é verdade, mas isso só acontece porque, com exceção dos quatro citados, nenhum outro país europeu concede tal direito, muito embora se propaguem ao mundo como guardiões dos direitos humanos e do exercício da dignidade humana.
É bastante comum encontrarmos grupos anti-suicidas (ou como se denominam, pró-vida) que fazem protestos, piquetes, denúncias, petições e tudo o mais que podem dentro da lei e fora dela, com o intuito de reduzir o número de clínicas e países que já regulamentaram tal prática.
Na Suiça, há uma petição junto ao Conselho Federal para proibi-la, usando como argumento o comércio desse tipo de turismo. O argumento é bastante falacioso, pois o turismo suicida só existe porque em outros países a prática é proibida.
Os órgãos deliberativos desses países procuram uma solução intermediária (a mais viável seria pressionar os demais países a regulamentarem o suicídio assistido e a eutanásia) que possa garantir os direitos dos seus cidadãos ao mesmo tempo que não "ofenda" à soberania dos vizinhos. Algumas estratégias estão sendo aplicadas como redução do público assistido (somente moribundos conscientes, cuja condição tenha sido posterior à sua entrada no país - para os que não são nativos), exigência de parecer de mais de um médico, proibição de ganhos comerciais e realização do ato sem outros interesses, a não ser a ajuda ao próximo.
Enquanto isso, o turismo suicida irá continuar, do mesmo modo que irá continuar a prática ilegal do suicídio assistido em muitos outros países, o suicídio solitários em pontes e trens, pois, questões religiosas à parte, o direito de tirar a própria vida quando essa não vale mais a pena ser vivida é uma prática recorrente na história da humanidade, e não vai ser um punhado de executivos que irá modificá-la.

O álcool, a morte e a filosofia (Ayala Gurgel)


A filosofia tem uma tendência histórica para fazer exaltações inoportunas, quando não irresponsáveis. Inoportunas porque perde uma boa oportunidade para a manutenção do pensamento crítico, que lhe é tão característico. Irresponsável porque os danos de tais exaltações não são mensurados enquanto consequência de reflexões filosóficas, mas como decisões do indivíduo. Refiro-me, mais especificamente, às exaltações de comportamentos auto-destrutivos como o abuso de álcool e outras drogas, comportamentos suicidas e para-suicidas, ou de transtornos mentais como esquizofrenia, mania, depressão e comportamentos antissociais.
Evidentemente que isso não é a filosofia. São alguns filósofos, cujo culto é bastante difundindo entre mentes mais fracas, que fazem tais exaltações. Aliás, até parece ser uma regra para ser considerado um grande filósofo: apresentar comportamento auto-destrutivo, abusar de álcool, ser esquizofrênico e ter algum grau de pedofilia ou psicopatia. De todos esses, abuso do álcool se sobressai. Sócrates era elogiado porque já tinha desenvolvido resistência ao álcool. Dos prazeres libertinos, esse é o mais cultuado na filosofia. E pena saber que ela rende toda sua criticidade, abandona a razão e se entrega em uma taça de vinho, cujo maior argumento, segundo Khayyam, é o de que o vinho foi feito para ser bebido mesmo.
Mas, qual o problema com isso e o que tem com a tanatologia?
O abuso de álcool foi responsável, no período de 1998 a 2002 por 5,8 óbitos/100.000 homens, o que representa 83,3% dos óbitos por distúrbios mentais entre homens e 34,8% entre as mulheres.
Ele é, assim como a morte, um problema de saúde pública, uma questão social.
Pensar em morte hoje é imaginá-la como uma questão de saúde pública. A morte e o morrer fazem parte dos rituais sociais. O estado está obrigado por lei (e pela moral) a gerenciar a morte e o morrer, desde a morte física do indivíduo à morte social. Deste modo, a morte e o morrer são questões sociais que envolvem o patrimônio público (material e simbólico) e o poder designado para administrá-lo, que passam pela segurança e assistência na garantia da vida ao nascer, ao viver e ao morrer.
Dentro deste contexto de morte social, nada mais representativo que o uso de drogas, lícitas ou ilícitas, por ser um fenômeno social que carrega consigo vários espectros construídos no imaginário social, mobilizando sentimentos e preconceitos, posturas contraditórias e movimentando a indústria capitalista e o os serviços públicos e privados de assistência à saúde. Tais sentimentos estão envolvidos tanto com a sua massificação positiva, do tipo que se “vende alegria numa lata de cerveja”, quanto à sua massificação negativa, do tipo que “usuário de droga é marginal”. Reforçadores que afetam significativamente o bem-estar das pessoas que convivem e usam álcool e outras drogas, em especial, quando já têm comportamento dependente de tais substância químicas.
No entanto, a vida dessas pessoas não tem sido fácil, pois além da dependência orgânica, a convivência com as exigências sociais de sucesso, empregabilidade, vida saudável e convívio familiar têm sido interditadas pelo comportamento excludente contra o dependente químico, seja na qualidade de encontrar reforçadores para mantê-lo dependente, seja na qualidade de não encontrar apoio para se libertar da dependência e ser inserido em outras contingências. A esse tipo de exclusão dar-se o nome de morte social.
Se a filosofia recuperasse a sua reflexão crítica iria abandonar certos discursos prontos ou herdeiros de outros contextos sociais determinados sob outras circunstâncias. Iria refletir mais sobre o que significa mesmo a esquizofrenia, o alcoolismo, a pedofilia... Ela que já sondou tantas questões, algumas tão sem sentido, porque ainda não fez essas? Porque ainda não questiona a própria doença dos filósofos? Talvez porque refletir sobre a própria doença seja um passo para a cura, e cura é algo que um pensamento mórbido, hipocondríaco não deseja.
Enquanto isso, bebamos e morramos, amanhã a lua pode nos procurar em vão...

Sobre a Eternidade (Marco Antônio Florentino)

Lembrando-me de que nos casamentos (e também nas fábulas) o padre finaliza: e que sejam felizes para sempre (ou viveram felizes para sempre), escrevi esse texto sobre ETERNIDADE. Nunca me iludi com essas questões sobre eternidade... somos finitude e concretude. Nossa história existencial começa quando apreendemos a racionalidade, ou seja, a capacidade de pensar o mundo e a nós mesmos; continua no processo da ação vivencial e termina no desvelar do ser, ou melhor dizendo, do sentido do ser... a morte e, a partir daí, o NADA. ¨Khayyam, não te aflijas por seres um grande pecador! É inútil a tua tristeza. Depois da morte virá o NADA ou a misericórdia¨ (Omar Kháyyam). Isso é niilismo? Claro que não, afinal, é justamente na angústia da consciência de todo este ciclo existencial, que faz com que preenchamos o vazio das nossas existências, seja na arte, no trabalho, no prazer, no sofrimento, no amor, no mêdo ou na felicidade. Em suma, há que se viver intensamente o momento existencial, com suas contradições, interrogações, provocações, certezas, sonhos e mistérios. Observem o recurso de linguagem que utilizo para enfatizar o que digo, com diversas palavras que expressam diferentes sentimentos. Assim o faço para representar, de forma mais aproximada , o que é nossa existência, aliás, nosso MOMENTO existencial, que não carrega o passado, que é projeção e não se atrela ao futuro, que é antecipação. Talvez assim possamos superar a ANGÚSTIA da nossa condição de ¨SER PARA A MORTE¨. Mas tem que ser um processo cíclico, pois só na angústia nos tornamos autênticos, sendo esta, portanto, necessária. Novamente Khayyam: ¨Os dias passam rápidos como as águas do rio ou o vento do deserto. Dois há, em particular, que me são indiferentes: o que passou ontem, o que virá amanhã¨. Quanto à questão genética, compreendo-a análogamente como as teorias espíritas da reencarnação, só que do ponto de vista físico ou fisiológico. Com o tempo, a fragmentação do ser em inúmeros outros seres descaracteriza a sua identidade, que antes representava sua alma e que, na pequenez da nossa memória, também desaparece, como um ente perdido na linha incognoscível do espaço e tempo. Entretanto, na obra de arte, a representação ôntica permanecerá infinitamente além da sua representação ontológica. Já na questão religiosa... bem, esta eu prefiro me calar. E tome Khayyam: ¨Que vale mais? Fazer exame de consciência sentado na taverna ou prosternado na mesquita? Não me interessa saber se tenho um senhor e o destino que me reserva¨.

Até que a Morte Nos Una: Francesa se casa com Namorado Morto (Erasmo Ruiz)

Não é piada mórbida. Aconteceu esta semana na França. Magali Jaskiewicz morava junto com seu namorado Jonathan Goerg. Os dois já tinham dois filhos e, então, resolveram se casar de papel passado. Dois dias depois de terem entrado com os papeis para a realização do casamento, Jonatthan morreu num acidente de carro. O que seria um impedimento natural em qualquer lugar do mundo não ocorreu na França. É que lá a legislação permite essa forma de casamento desde que o morto tenha manifestado em vida (lógico) o interesse em se casar. Para que isso aconteça, depois de alguns trâmites, deve haver autorização formal do Presidente de da República. O casamento aconteceu em Dommary-Baroncourt, no leste da França. Magali usou o vestido de noiva comprado há um ano. Jonathan se fezx "presente" a partir de uma foto colocada num cavalete. Depois da cerimôonia Magali disse não estar muito animada para festejos mas ainda assim estava feliz por se casar. Uma história triste, ao mesmo tempo lírica e romântica. Mas, fora o romantismo, há que se destacar uma questão importante. Não parece ser um sinal de uma cultura que respeita a vontade dos indivíduos, mesmo que estejam mortos? Com a palavra o nosso querido Doutor Ayala Gurgel, expert em direito social dos moribundos.

Cemitérios Virtuais: Sendo "Sepultado" na Internet (Erasmo Ruiz)

Nem só de blogs, sites de relacionamento e pornografia vive a grande rede. Entre coisas mais interessantes, podemos vislumbrar a possibilidade de sermos "sepultados" em cemitérios virtuais. Em tempos onde tudo passa muito rápido e a capacidade de perda de memória coletiva parece competir com nossa capacidade ampliada de registra-la, a internet pode se transformar em espaço para celebrarmos publica ou privadamente a memória de nossos entes queridos ou, então, buscarmos informações onde nossos antepassados ou mesmos ídolos famosos estão enterrados. Mas vamos ao que interessa. Entre os cemitérios virtuais destaca-se o Le cimetière virtuel site francês pioneiro onde por pequenas taxas em euro você poderá comprar "tumbas" escrever epitáfios e depositar flores. Há espaços dedicados a fotos e obituários bem como segmentações por idade, religião ou gênero. Mas se o seu francês não anda lá essas coisas, não tem problema. Você pode visitar o campavirtual.com site português (ou "sítio" como gostam nossos irmãos lusitanos), com tons mais sóbrios que oferece opções similares embora mais restritas. Ah, gostei muito das flores embora tenha achado o cemitério português muito desanimado. Por fim, se você quer saber onde está enterrado Oscar Wilde ou o Presidente Kennedy nós temos a solução: basta pesquisar no "Find a Grave" , uma mina de ouro não só para quem gosta de ir tanaticamente atrás de celebridades que não estejam tanto assim em evidência mas que também goste de arte tumular ou de fazer viagens virtuais por cemitérios. Realmente, este site oferece inúmeras alternativas para surfar na net enquanto vamos pensando na morte. Agora, como tudo o que acontece no mundo da grande rede, abre-se uma enorme cortina para acessarmos inúmeras informações mas parece que nada pode substituir o prazer real de visitar um cemitério enquanto respiramos história e memória, e vamos refletindo sobre a própria vida!

Filmes de Guerra como Cultura de Paz: Formas e Formas de se Morrer (Erasmo Ruiz)

O cinema faz parte do cotidiano da vida da maioria de nós, em particular, o cinema norteamericano. Os filmes comparecem mesmo que ninguém vá ao cinema. Temos a TV, temos também a publicidade, temos metáforas que a semelhança de "A Rosa Púrpura do Cairo" de Wood Alen, abandonam. as telas e adentram em nossas vidas na forma de diretivas ou sinalizações práticas de comportamentos e hábitos. Particularmente admiro o cinema americano e rotulo como preconceituosa a crítica que opõe um cinema de arte frente a um cinema comercial, até porque, numa sociedade capitalista, o cinema é também mercadoria e, desta sina, não escapa nem um bom filme de Ingmar Bergman. Prefiro afirmar que existem filmes ruins e filmes bons. Óbvio dizer que o "bom" e o "ruim" são arbítrios com todos os riscos decorrentes. Outro dia depois de rever um velho western - "Matar ou Morrer" com Gary Cooper e uma belíssima Grace Kelly em início de carreira - fiquei me perguntando como pensaríamos nossa morte se o cinema não existisse. A morte quase sempre foi mostrada no cinema como um evento doloroso, outras vezes heróico, pincelada com sentidos práticos (ela deve existir para punir o vilão e/ou consagrar miticamente o heroi etc). Mas até o início dos anos 60, o público era poupado de detalhes mais realistas como sangue ou visões anatômicas de cortes e fraturas. Hoje, filmes que abusam de cenografias mórbidas tem consultores na área médica para buscarem realismo quando, por exemplo, a carótida é cortada ou uma bala atravessa a femural. Nossa imaginação é absolutamente desnecessária, basta ver a imagem e sentir todo o horror dela decorrente. Mas, de fato, aprendemos alguma coisa quando vemos filmes como "Jogos Mortais" ou o eterno acumular de frios assassinatos em "Sexta Feira 13"? Do meu ponto de vista, filmes com esta estética explícita da morte são meramente catárticos. Servem para que nós, curiosamente, possamos ver a morte protegidos pela barreira da arte, são expressões do exibicionismo e espetacularização de uma sociedade que transformou a morte em tabu, em evento médico e higiênico. Os filmes com este tipo de conteúdo são janelas entreabertas para desfrutarmos de uma certa busca de olhar a barbárie sem necessariamente exerce-la, mas podendo, de certo modo, aprecia-la esteticamente e ainda sermos julgados como pessoas "normais". Mas existem filmes mais "pedagógicos". Por exemplo, filmes de ação transformam a morte em problemas práticos, resultado da perícia do herói em atirar e magicamente desviar-se das balas. Filmes e video-games são extensões um do outro. Bruce Willis nos seus "Duro de Matar" é na verdade um assassino que representa a platéia e sua sanha de combater o mal sem morrer durante a tentativa, filmes que seguem as trajetórias já iniciadas por Clint Eastwood ou Charles Bronson. Como "matadores" que se identificam com seus personagens, somos estimulados à indiferença com quem é assassinado sistematicamente na tela, afinal, o fato de serem maus rouba deles a condição de humanidade. Essa parece ser a chave da questão. Os filmes de ação para serem assimilados e consumidos devem retirar dos mortos toda e qualquer identidade que expresse sua humanidade, só assim a morte pode ser aceita como se houvéssemos matado um cão raivoso. Para isso, o conhecimento bélico e uma boa pontaria são atributos essenciais...tiros e mais tiros...explosões e corpos decepados para o delírio da platéia. Mas existem outras situações em que a morte violenta se expressa com numa estética decididamente realista que vai além da caracterização de ferimentos. Falo aqui de alguns filmes de guerra (uma minoria infelizmente) como "Platon", "O Resgate do Soldado Rayan", "Johnny Vai a Guerra", "Pecados de Guerra", "Nascido para Matar" , "Nascido a 4 de Julho" ou "Gloria Feita de Sangue". Evidentemente, a análise de todos estes filmes comportaria um livro. Entretanto, tomemos como exemplo o filme "O Resgate do Soldado Ryan" de Steven Spilberg. Não entrarei numa discussão mais prolongada sobre história e roteiro. Queria destacar apenas como a morte comparece no filme. Spilberg não quer poupar o público. Mas, diferente do que estamos acostumados a ver, ele nos traz também todo o impacto emocional que a morte violenta e dolorosa provoca. Desde as imagens iniciais quando a morte é mostrada como evento absolutamente aleatório (como o soldado que escapa da morte porque a bala resvala no seu capacete para no segundo seguinte ser alvejado e morto), ficamos a perguntar qual o sentido de todo aquele sofrimento. Nos irmanamos com o desespero do soldado que procura pelo braço que doi decepado pela explosão. O recado está dado. Isso não é uma brincadeira, as pessoas morrem de forma franca e honesta. Numa guerra, a morte se mostra dolorosa e intensa. Mais pela metade do filme, o oficial médico que está no pelotão que procura o Soldado Ryan é alvejado no ventre. Como médico, ele sabe todas as decorrências técnicas da sua lesão na medida em que é informado pelos companheiros sobre suas características. Desesperado, chora e grita pela mãe. O que aconteceria se esta forma de mostrar a morte fosse a usual no cinema? Será que as pessoas se mobilizariam com tanta facilidade para lutarem numa guerra? Provocativamente eu diria que filmes aparentemente belicistas como "O Resgate do Soldado Ryan" são na verdade importantes recursos para se construir uma cultura de paz ao mostrarem que por trás dos rostos de quem morre existem atributos que caracterizam cada individualidade perdida como essencialmente humana. Fica a sinalização de que a morte com dor e sofrimento é DESUMANA e nada pode justificar que ela aconteça dessa forma.

O que Lembrar no Dia de Finados? (Erasmo Ruiz)

A pergunta pode parecer desprovida de sentido, afinal, o nome do dia já nos alerta que devemos (ou deveríamos) celebrar a memória daqueles que já morreram. A origem do dia de finados se perde no remoto passado do cristianismo. Durante séculos, os cristãos realizaram peregrinações aos túmulos daqueles que haviam morrido em martírio. Com o tempo desenvolveu-se a crença que a visita a estes túmulos favorecia a ocorrência de milagres. Mas o que acontecia à memória dos mortos comuns, aqueles que não haviam sido mortos pela sua fé? A maioria era relegada ao esquecimento. Assim, em alguns momentos do ano, buscou-se celebrar um período onde os mortos comuns pudessem ser relembrados e serem objeto de intercessão dos fieis. A partir do século XI a Igreja incorpora oficialmente essas celebrações e é no século XIII que o 2 de novembro passa a ser comemorado logo após o dia de todos os santos (1 de novembro). O que se percebe é que. nos últimos anos, essa data parece estar perdendo sua importância dada a transformação de hábitos e costumes impostos pela mercantilização da sociedade. Lembro-me que na minha infância (40 anos trás) as rádios tocavam música ambiente por todo o dia e as pessoas eram estimuladas a permanecerem em casa. Qualquer comportamento tido como mais extrovertido era recriminado pelos mais velhos. Meu imaginário foi povoado por histórias de punição divina daqueles que teimavam em achar que o dia dos mortos era um dia como outro qualquer. Hoje, podemos ir ao cinema, passear no zoológico e alimentar os macacos sem culpa. A laicização da morte e o redesenho da sua inserção no profano pode fazer com que parte de nós passe o dia de hoje sem pensar na morte e no morrer. Mas é neste ponto que peço mais a atenção de todos. Talvez o papel mais importante do dia de hoje não seja tanto a celebração da mermória dos mortos mas também nos lembrarmos de maneira inequívoca da nossa própria finitude. Em dias mais próximos ou distantes, seremos nós mesmos os "homenageados" neste dia. O que torna o dia de finados algo mais desalentador não é tanto o fato de ser um dia sobre a morte mas talvez o fato de que no dia específico sobre ela, parte de nós vai se esquecendo daqueles que nos precederam neste mundo. O medo da morte esconderia então um medo maior, que sempre esteve ao lado do medo de morrer, o medo de ser esquecido. A conclusão é singela. Se quase todos não se lembram ou não sabem do nome de seus tataravós, significa dizer então que nossos tataranetos não saberão mais dos nossos nomes. Estará cumprida então a profecia do poema "Morte Absoluta" de Manoel Bandeira: Morrer. Morrer de corpo e de alma. Completamente. Morrer sem deixar o triste despojo da carne, A exangue máscara de cera, Cercada de flores, Que apodrecerão – felizes! – num dia, Banhada de lágrimas Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte. Morrer sem deixar porventura uma alma errante... A caminho do céu? Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu? Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra, A lembrança de uma sombra Em nenhum coração, em nenhum pensamento, Em nenhuma epiderme. Morrer tão completamente Que um dia ao lerem o teu nome num papel Perguntem: "Quem foi?..." Morrer mais completamente ainda, – Sem deixar sequer esse nome. Podemos assim, tirar duas metas no "Dia de Finados". A primeira é que se lembrar daqueles que já partiram não traz necessariamente vida aos mortos mas a nós mesmos. Pode ser um dia em que demarcamos melhor as nossas individualidades e podemos perceber nossas virtudes e defeitos como parte da herança que nos foi legada. Celebrar a memória faz com que possamos nos olhar no espelho da história e, de forma mais diligente e consciente, buscar melhorar a própria imagem. A segunda é trazer à tona a percepção cristalina de que esse dia não pode ser percebido com indiferença, é trazer a morte para a equação da vida como algo que nos faz refletir sobre escolhas e caminhos. A morte nos lembra que a vida é preciosa demais para ser desperdiçada! Assim, no dia de finados, celebremos também a busca da plenitude da vida!

Death Bonds: Títulos da Morte no mercado financeiro (Ayala Gurgel)

Cada dia novidades sobre a mercantilização da morte aparecem nos meios de comunicação. Desde 2007, os investimentos de riscos são o atrativo para quem tem seguro de vida e precisa de uma graninha. Se você tem algum seguro de vida, já tem certa idade, um idoso para falar a verdade (e quando mais com o pé na cova, mais valor de mercado terá) e precisa urgente de uma grana, poderá vender seu seguro por até 40% do valor da apólice a um banco, que o transformará em título financeiro (bond) para ser revendido a investidores no mercado financeiro. Como o investidor ganhará em cima da morte do segurado, esse título tem sido chamado de Death Bonds: Títulos da Morte. Quanto mais cedo o segurado morrer, maior o lucro do investidor. Bancos como o Goldman Sachs e o Credit Suisse, através da Life Insurance Settlement Association, já estão nesse mercado, comprando essas apólices de segurados que necessitam levantar dinheiro com urgẽncia. Mais informações podem ser obtidas no site: http://www.businessweek.com/magazine/content/07_31/b4044002.htm