Os Mitos Também Morrem (Erasmo Ruiz)

Quando alguém famoso morre isso toca a todos. Não só pelo fato da super exposição da pessoa mas também porque essa morte é o lembrete inequívoco de que todos nós morreremos um dia. A maior parte do tempo quase todos desejam esquecer isso, mas então... De repente Micchael Jackson se vai desse mundo. Como mito, criado e autocriado, ele deixa espaços que não serão preenchidos e outros que o mercado, faminto durante sua vida, agora devorará muito rápido na sua morte. Mas cumpre relembrar algumas coisas. Por exemplo. No passado, diante da morte de um mito, havia uma espécie de mobilização coletiva para cultuar a memória. A morte era um lenitivo do caráter, absolvia o morto de tudo o que ele havia feito de questionável, destilando o que era considerado bom ou mesmo exagerando gestos banais. Hoje, diante da morte de alguém, nos assombra o espírito da medicina legal: "Do que foi que ele morreu?" A busca da "causa mortis" é outro sintoma do nosso tempo, efeito da interdição da morte que torna o motivo do colapso do organismo praticamente mais importante que (re)lembrar o morto. Basta que pensemos na morte de Ayrton Senna e teremos na memória os infográficos das revistas mostrando o ponto exato em que a barra de direção da Willians penetrou no crânio do piloto...e dai? O que isso acrescenta de brilho a vida de Senna? Nada! Apenas satisfaz nossa curiosidade "pornográfica" diante da espetacularização da morte! Com Jackson não poderia ser diferente. Inúmeras teorias começam a ser urdidas para esclarecer o que matou o cantor. Talvez a resposta esteja em nós mesmos, afinal, que mundo é esse onde gradualmente vamos secundarizando a arte e o entretenimento em função da busca sem medida da vida privada das pessoas? Parte das celebridades transformam-se então em engenheiros sociais de si mesmos. Jackson era um mestre nisso ao alimentar os tablóides com especulações sobre seus maneirismos, sexualidade e gostos um tanto exóticos. Tornou-se um quadro que valia mais a pena ser visto pela moldura do que pela obra. A permanente desconstrução de si mesmo é um caminho seguro para a morte, ainda mais numa sociedade que é capaz de assassinar seus ídolos...alguns de forma literal, outros pelos simbolismos que os tornam escravos do sucesso e absolutamente bizarros em buscar a exposição que um dia tiveram. Micchael Jackson agora entra para a história como o "Rei do Pop", seguindo um final similar ao "Rei do Rock". Ambos cometeram uma forma sutil de "suicídio" quando perceberam que a diminuição do sucesso causava um vazio que, em suas perspectivas, nada poderia suprir. Fico vendo então a imagem do clip "Trhiller" quando dezenas de zumbis afloram de suas sepulturas e fazem sua coreografia assustadora e engraçada. Em meio a eles, Micchael, em passos que o faziam levitar e que alegrava nossos corações Como todo herói, flertava com a morte permancendo vivo e feliz. No entanto, o tempo mostrou que a dança infelizmente era profética. Nosso herói foi abandonando sua alegria para lentamente se transformar em mais um personagem secundário de si mesmo, em meio àquelas figuras bizarras até que finalmente se fundiu a elas. Pensar na morte de Micchael Jackson me fez voltar a adolescência. Lembrei do quanto me sentia invulnerável enquanto tentava fazer aquele maldito passo do garoto que parecia patinar enquanto caminhava nos enchendo de infinito.

O Ritual do Último Desejo (Erasmo Ruiz)

Existem muitos aspectos desumanizantes no entorno da experiência da morte e do morrer. Estudos apontam a razão para isso acontecer. Sinteticamente, existe uma inter-relação perversa entre a perda de autonomia que cerca o papel do "estar doente" - que se torna gritante quando o paciente é rotulado como "terminal" ou "fora de possibildiades terapêuticas" - e a crescente medicalização da vida e por decorrência, a transformação da morte de fenômeno vital na mais perversa das patologias. Significa dizer então que, por ser considerada doença, a morte estará cercada de "cuidados" que recorrentemente tentarão afirmar sua negação. É no aprisionamento da morte nos hospitais - cercada por "tratamentos" fúteis que se transformam em tortura "terapêutica" para pacientes, familiares e trabalhadores.- que sistematicamente veremos as necessidades existenciais inerentes a finitude serem cerceadas. Neste sentido, a metáfora da prisão parece ser procedente. O moribundo passa por crescente descaracterização dos seus atributos humanos, políticos, sociais, psicológicos e culturais. Perecisará a partir de sua rotulação como "alguém que vai morrer" de ínterpretes que mediem suas vontades e desejos, mesmo que tenha condições de fazer isso diretamente. Estará encarcerado, suas visitas (quando acontecerem) serão rigidamente controladas, terá uniforme e se transformará em um número. Fiz esse preâmbulo para destacar a importância do ritual dos "últimos desejos", conjunto de ações que funciona como despedida e ao mesmo tempo afirma nossa capacidade de nos mobilizarmos para expressar amor e solidariedade em momentos em que a vulnerabilidade e dependência do moribundo chegaram ao seu limite. Este é um dos aspectos mais terríveis da experiência da morte aprisionada nas instituições hospitalares: a possibilidade cristalina que rituais de fechamento da vida acabem por não se realizar ou sejam vistos como desnecessários diante da perspectiva de negar a morte até a sua constatação objetiva. Mas realizar o último desejo é ainda algo mobilizador, principalmente quando a morte se escancara e se encontra ao lado de uma criança. Nos Estados Unidos, uma garotinha de 10 anos sofria de um raro tipo de câncer vascular e, já nos últimos dias de vida, expressou como último desejo asssitir a animação "Up" produzido pela "PIXAR". O problema era que ela estava tão fraca que não pôde ir ao cinema para assistir ao filme em circuito comercial, e o filme ainda não havia sido lançado em DVD. Os pais da criança então tentaram todas as formas de contato com o estúdio para viabilizarem uma exibição do filme na casa da criança. Depois de muitos contratempos, o estúdio disponibilizou um helicoptero para que o filme fosse levado com alguns brinquedos. A garotinha assitiu ao filme em casa e morreu 7 horas depois. (para ver a notícia completa dessa história clique aqui) Estamos de fato preparados para mobilizarmos todas as nossas energias para realizarmos os últimos desejos das pessoas? Buscar respostas para esta questão é de fundamental importância para produzir gestos humanizadores no entorno da morte. Ao não nos preocuparmos com isso, talvez no momento de vivência da nossa finitude, a equipe de saúde e familiares não prestarão atenção em nossas falas. Estaria então consolidada a idéia de que aqueles que vão morrer devem fazê-lo silenciosamente, bem comportados, pois moribundo não deve ter vontades! É isso o que queremos para nós?

Pesquisa avalia cotidiano dos alunos do Curso de Enfermagem relacionados á convivência com a morte e o morrer

COTIDIANO DOS ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM AO LIDAR COM A MORTE DURANTE A PRÁTICA EM UM HOSPITAL DE SÃO LUÍS-MA GURGEL, W.B; MOCHEL, E.G; MIRANDA, M.C (INTRODUÇÃO): Apresentação das experiências cotidianas dos alunos do curso de enfermagem de uma universidade federal com relação à morte durante sua prática hospitalar. (OBJETIVOS): Analisar, à luz da fenomenologia, as situações cotidianas dos alunos de um curso de Enfermagem durante sua prática hospitalar quando esses se deparam com situações de morte e morrer. (MÉTODO): Aplicou-se a observação empírica, como técnica integrante da pesquisa-participante e da abordagem fenomenológica da realidade, descritas em diário de campo pela pesquisadora. (RESULTADOS): As anotações cobriram eventos acontecidos entre o dia 10 de novembro de 2008 a 30 de abril de 2009 e se referem à vivência dos alunos de prática das disciplinas de Clínica Médica e Clínica Cirúrgica no Hospital Universitário da UFMA, Unidade Presidente Dutra; bem como, a algumas aulas teóricas do quinto período e a prática da disciplina de ginecologia e obstetrícia no Hospital Materno Infantil. Dos acontecimentos registrados merecem destaque as seguintes falas: «Por pouco ela não morreu!»; «Realmente o coração dela não suportaria tudo aquilo»; «A morte desse paciente afetou a aluna que o acompanhava»; «Esta paciente está piorando. Acho que vai voltar para UTI. Você lembra que uma outra que foi admitida no mesmo leito que ela com o mesmo problema já morreu? A falecida até parecia com dona fulana e ambas estavam acompanhadas de seus filhos e eles também se parecem!»; «Em caso de risco de morte materna, o médico tem que salvar a mãe e não bebê»; «Esse menino deveria morrer logo»; «Estudamos para a vida, ninguém não estuda para trabalhar com a morte. Tanto que na hora de preparar um cadáver é a coisa mais rápida do mundo! E ninguém aprende isso na faculdade. E isso é pra ser aula de Fundamentos de Enfermagem. Eu não tive essa aula. Vocês tiveram?». (CONCLUSÃO): Identificou-se nessas falas a presença da «obstinação terapêutica», tanto quanto a de mentalidades mais supersticiosas, como a crença em um «leito amaldiçoado», o que se soma coerentemente com a idéia de que profissionais de saúde existem para salvar outras pessoas. Assim, em uma breve análise do cotidiano de alunos de Enfermagem pode-se identificar o despreparo para lidar com determinadas situações e como isso é passado para eles por seus próprios professores que acreditam ser desnecessário tratar sobre morte em sala e aula. Palavras chaves: Educação; Morte; Enfermagem; Cotidiano. Para mais informações sobre a pesquisa contate os autores: ayalagurgel@yahoo.com.br gurgel@ufma.br

Licitação Online para Venda de Capelas Mortuárias

Car@s Mortais!

O que fazer dos nossos corpos quando deixamos essa vida é um problema prático que mobilizou e mobiliza culturas e civilizações.Mas não vamos discutir nesse post práticas funeráreas e sim divulgar uma notícia importante, principalmente se você tiver muito dinheiro. Eis a sua chance de desfrutar a companhia eterna de diretores de cinema, escritores e atores famosos. Dada a densidade intelectual do cemitério de Verano em Roma, será muito interessante participar de debates entre Roberto Rosellini e Luchino Visconti sobre o papel social do cinema. Mas deixo a notícia abaixo. Boa leitura

ROMA, Itália (AFP) - O município de Roma abriu uma licitação online nesta segunda-feira para a venda de 34 capelas mortuárias, túmulos e mausoléus famosos em três dos cemitérios mais antigos e mais procurados da capital italianaO mais caro é uma capela de 10m2 apresentada como "de estilo clássico, construída com tijolos e teto de telhas e decorada com mármore de Carrare, com capacidade para 10 lugares", e colocada à venda por um valor de 312.629 euros, fora taxas, no cemitério monumental de Verano, no sudeste de Roma.

Os túmulos, um dos quais pode conter até 28 caixões, são localizáveis e visíveis a partir da ferramenta de busca "Google Earth". Cada um é descrito com detalhes, e pode ser admirado através de fotos publicadas no site do município, www.amaroma.it.

No Verano, os compradores poderão ser "vizinhos de túmulo" de personalidades como o ator Marcello Mastroianni, o escritor Alberto Moravia ou os diretores de cinema Roberto Rossellini e Luchino Visconti.

O prefeito de Roma, Gianni Alamanno, espera arrecadar com a venda 2,5 milhões de euros. O Verano foi construído entre 1807 e 1812.

O leilão online será encerrado no dia 24 de julho.

Notícia retirada em http://br.noticias.yahoo.com/s/afp/090615/mundo/it__lia_cemit__rio_curiosa

Pesquisa avalia projeto pedagógico de curso de Enfermagem

Análise do Projeto Pedagógico de uma graduação em Enfermagem no tocante à formação tanatológica

GURGEL, W.B.; MOCHEL, E.G.; FRANÇA, A.C.B

(INTRODUÇÃO): Avaliação da formação tanatológica do aluno de Enfermagem de uma universidade federal a partir da proposta pedagógica do curso. (OBJETIVOS): Pretende-se analisar o tipo de preparação tanatológica que é dada ao futuro profissional de Enfermagem a partir da análise da proposta pedagógica do seu curso. (MÉTODOS): Em uma abordagem qualitativa, aplicou-se o método da Análise de Conteúdo para identificar as ocorrências semânticas, em termos de sentidos e freqüências dos vocábulos e proferimentos associados à uma educação para a morte. (RESULTADOS): Observou-se a presença de conteúdo tanatológico voltado para a formação dos acadêmicos em Enfermagem dessa universidade. Os termos encontrados e suas respectivas frequências foram: ciclo vital (4), morrer (3), eutanásia (1), aborto (3), morbiletalidade (1), gestação de alto risco (1), risco de morte materna (1), recém-nascido de alto risco (1), paciente fora de possibilidades terapêuticas (1), cuidados paliativos (2), luto (3), fim da vida (3), morte (6), rito de morte (1), enlutada (1), morrendo (1), paciente terminal (1), matam (1), morte como ofício (1), condição crítica (1). Esses termos, quando agrupados por afinidade, destacaram-se em dois grupos: diagnóstico (ciclo vital, risco de morte materna, recém-nascido de alto risco, paciente fora de possibilidades terapêuticas, morrendo, paciente terminal) e atuação profissional (morrer, eutanásia, aborto, morbiletalidade, gestação de alto risco, cuidados paliativos, luto, fim da vida, morte, rito de morte, enlutada, matam, morte como ofício, condição crítica). Não houve agrupamento de afinidade por prognóstico. As relações de co-ocorrência com morte foram: gestação, recém-nascido de alto risco, ritos, terminalidade, maternidade, processo, risco e luto, sendo que a mais frequente foi terminalidade. As relacionadas a luto foram duas: enlutadas e terminalidade, o mesmo ocorrendo com aquelas relacionadas a morrer, que foram: morte e morrendo. Além disso, encontramos no documento analisado a presença de perífrases («fora de possibilidades terapêuticas») e eufemismos («fim da vida» e «paciente terminal») para se referirem a morte e morrer.(CONCLUSÃO): Mostrou-se que há preocupação evidente com a formação tanatológica do graduando em Enfermagem, apesar de se observar haver concentração dos termos na área da perinatologia e em disciplinas eletivas ou de outros departamentos acadêmicos, o que levou a questionar o porquê de as disciplinas com esse perfil estabelecerem mais associações com a morte do que as demais.

Palavras chaves: Morte; Morrer; Educação; Enfermagem.

Para saber mais ou entrar em contato com os pesquisadores, envie e-mail para:

ayalagurgel@yahoo.com.br

Livros de Auto-Ajuda para Morrer (Erasmo Ruiz)

A cada contemporaneidade a morte se apresenta sob novos matizes e cabe a cada nova geração o trabalho de criar e/ou recriar formas de se lidar com ela. Esta afirmação, a princípio óbvia, configura hoje uma situação frente às questões apresentadas pela morte e o morrer muito diferente de antes. Se no passado parecia haver um conjunto de concepções de mundo que oferecia um suporte psicossocial para o enfrentamento da morte, aquilo que os filósofos chamam de uma “Ars Moriendi” (arte de morrer), parece que hoje em dia essa arte se configura como um conjunto de ações e pensamentos que nos levam ao escapismo frente a tudo que a morte pode expressar. Em sendo essa tese verdadeira, talvez isso nos ajude a entender porque livros como “Por um Fio” (Drauzio Varela), “A Última Grande Lição” (Mitch Albom) ou “A Lição Final” (Randy Pausch) se tornaram sucesso de vendas. Com objetivos relativamente distintos, eles parecem funcionar como uma auto- ajuda tanática frente a uma sociedade que não colocou como uma de suas metas socializar as pessoas para a experiência da morte. Eis então um interessante paradoxo: pelo tema estar interditado, ele suplica por ser encontrado, estudado, conhecido! Caro leitor. Se quiseres ganhar um bom dinheiro e souberes escrever, então , ensine as pessoas como morrer! Com relação a morte, estamos sem rituais. As senhas não estão claras. As certezas esboroaram! A similaridade entre todos esses autores está nas conclusões que sinalizam. Para breve estaremos postando comentários para cada um dos livros que, ao seu modo, são interessantes e importantes de serem lidos. No momento, cumpre destacar que afirmam com todas as letras que estamos desperdiçando nossas vidas com objetivos fúteis, e a futilidade parece ser tudo aquilo que nos ensinaram a achar importante: dinheiro, carreira, prestígio. Por conta desses ícones da vida contemporânea, prestamos menos atenção em nossos filhos, na natureza e em todas as muitas belezas desse mundo. A preciosidade de pensar na morte residiria justamente nisso: ao nos lembrarmos cotidianamente de que vamos morrer, nossas escolhas podem ser mais ponderadas no sentido de nossa existência e nem tanto daquilo que exigem que façamos. Não é esse o dilema de “A Morte de Ivan Ilitch” (Leon Tolstoi,) quando o personagem em desespero descobre que a vida até aquele momento de fato não havia sido vivida e que o tempo para controlar o seu destino estava se escoando? Caso o leitor queira desfrutar da auto ajuda tanática, recomendo que se comece pela ficção de Tolstoi, onde o personagem central, alguém que lentamente está morrendo, nos narra a sensação de abandono e a crise existencial de não ter descoberto a tempo o que desejaria ser na vida e não o que ele, pela força das convenções, acabou sendo. É muito difícil não se identificar com a narrativa. E é por isso que muitos interrompem a leitura para não se compromissarem consigo mesmo para mudar a própria existência.

Feita a leitura de Tolstoi, estamos prontos para receber as lições de Varella, Albom e Pasch. As terríveis conseqüências de não se lidar com a morte se apresentarão com uma nitidez avassaladora. A virtual constatação de uma mediocridade de existência poderá então nos levar a simplesmente viver a aventura dificílima, mas ao mesmo tempo maravilhosa, de tentarmos junto com a miríade de outros seres humanos, sermos nós mesmos, como nos ensina Mario Quintana: "As outras crianças, uma queria ser médica, outro pirata, outro engenheiro, ou advogada, ou general. Eu queria ser pajem medieval...Mas isso não é nada. Hoje eu queria ser uma coisa mais louca: eu queria ser eu mesmo!"

A Representação da Morte como Protesto: Marat e Bush (ERASMO RUIZ)

Dois momentos bem distantes um do outro. Marat em meio ao calor da Revolução Francesa, e George Bush, uma quase unanimidade de rejeição quando no final de seu mandato como um dos piores presidentes dos Estados Unidos. Mas quero a partir desses dois personagens, destacar um certo papel artístico que o representar da morte tem como recorrente: a sua expressão como forma de protesto e homenagem. O quadro acima, pintado por Jacques L. David (1793) cristaliza um dos momentos dramáticos da Revolução na França, quando Marat, um de seus líderes mais destacados, é morto por Charlotte Corday. O fato de estar numa banheira pode produzir interpretações dúbias se não for contextualizado. Marat possuia uma terrível doença de pele que o obrigava a permanecer imerso na água praticamente o dia todo. Era dessa maneira que trabalhava. David, amigo de Marat, lhe presta uma homenagem. Transforma a caixa de madeira ao lado da banheira numa espécie de "pedra tumular" que dedica ao revolucionário e que também toma como superfície onde assina seu nome, talvez para mostrar que tenha morrido um pouco com o amigo. Ao mesmo tempo, ressalta o caráter traiçoeiro do assassinato para que ele nunca seja esquecido: Marat está inerte, nu, meio imerso na água da banheira e a ferida no seu peito ainda sangra. Sua morte não pode ter sido em vão. Ao mesmo tempo em que exige justiça, também exige que o ideário de sua revolução possa permanecer. Esse é o novo sentido da pessoa de Marat, cuja a morte o imortaliza no quadro e o expressa como herói a ser cultuado e lembrado . Chegamos então a George Bush. Ele também está acompanhado pela morte mas posa vivo! Seu olhar é construído a partir de um mosaico trágico, formado pelas fotografias de centenas de soldados americanos mortos no Iraque. O lembrete é claro: ele é o responsável por estas mortes e, na verdade, seu poder parece se alimentar delas na medida em que os mortos vão formando a sua imagem. A composição ganha maior efeito ainda se a percebemos primeiro muito distante para, depois, nos aproximarmos dela, uma artimanha provavelmente pensada pelo autor. Quando vemos a figura dos homens públicos na mídia, os percebemos distantes, aparecem "limpos" e "perfeitos" de toda a crosta de iniquidade em que se vêem envolvidos. Mas ao olharmos mais de perto, veremos pelo que eles são responsáveis e, ao sabermos disso, podemos então nos tornarmos co-responsáveis se nada fizermos. (veja a imagem aumentada aqui ) Pelo Visto, exitem muitas possibilidades para a morte se expressar na história e nos acontecimentos políticos. A arte meio que captura esses momentos, os reinterpreta e os trasnforma em possibilidades práticas pela ação que motivam, seja na França revolucionária do século das luzes, seja pelo Império Americano em decadência no início do século XXI.

A Morte Serena e a Fotografia de Rudolf Schafer (Erasmo Ruiz)

A tradição de se mostrar a morte como algo sereno e belo, acontecimento que põe fim ao sofrimento da dor e das dificuldades de se viver nesse mundo, é um marco na iconografia. Espalha-se em inúmeras manifestações desde a mais remota antiguidade e nos chega até os dias de hoje por versões contemporâneas da "fotografia mortuária" como manifestação artística. Nessa postagem uma pequena demonstração da obra de Rudolf Schafer. Em 1983 este fotógrafo registrou cadáveres no Hospital "Charité" de Berrlin. Todos os olhos dos mortos encontram-se fechados. Chama a atenção um certo tom de trivialidade, como se sorrateiramente surpreendêssemos as pessoas em meio ao seu sono. Pelas fotos, não conseguimos deduzir nomes nem a maior curiosidade mórbida que a maioria de nós possui: a "causa mortis". Vemos apenas o rosto de uma pessoa morta envolta em um lençol, e nos perguntamos: quem era ela, o que fazia...talvez como se questionássemos a nós mesmos. Não há interesse do fotógrafo em nos apresentar a morte cruel, tão comum hoje em dia na imprensa e na estética cinematográfica. Ha um certo tom meio que vitoriano, que afirma e ao mesmo tempo nega morte! Somos informados que estamos diante da imagem de um cadáver, mas a forma como ele se encontra, os traços do rosto e o tom sereno não aparece como algo tão amedrontador. E como ficamos caro leitor? A morte não teria nenhum mistério? Seria apenas este sono profundo e sereno captado pelas lentes de Rudolf Schafer? Estaríamos novamente diante da mera espetacularização da morte ou frente a sensibilidade de um artista que nos quer tirar do sono da vida a partir de suas "visages de morts"?

Educação para a Morte é tema de Disciplina na Pós-Graduação na FMUSP

Já estão abertas as inscrições para a Disciplina “Tanatologia – Educação para a Morte”, que será ministrada em agosto, na Faculdade de Medicina da USP, dentro da Pós-Graduação strictu sensu. Serão 30 vagas para doutorandos e mestrandos da USP, regularmente matriculados em qualquer curso da universidade, e mais cinco vagas para alunos de outras faculdades, que participação como ouvintes.

“Pela primeira vez, uma faculdade de Medicina brasileira, a FMUSP, por meio da sua pós-graduação em Ciências Médicas, disponibiliza uma disciplina para formação de recursos humanos (professores e pesquisadores) com o objetivo de discutir as questões da morte e do morrer de maneira plural e interdisciplinar (atitudes religiosas, filosóficas, científicas, pedagógicas e estéticas)”, ressalta o Prof. Dr. Franklin Santana Santos, um dos coordenadores da Disciplina.

A disciplina é constituída de oito créditos e terá início no dia 8 de agosto. Além de reunir alunos de Medicina e das áreas biológica e ciências da vida, o objetivo da Disciplina é atrair mestrandos e doutorandos de outras áreas do conhecimento como teologia, sociologia, antropologia, filosofia, pedagogia, serviço social, entre outras. Mais informações no site www.fm.usp.br, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Serviço:

Disciplina “Tanatologia – Educação para a Morte” MCM 5892

Pós-Graduação strictu sensu da Faculdade de Medicina da USP

Créditos: 8

Período: 08/08 a 01/09 (sábados) Aulas: 08, 15, 22 e 29/08, das 8 às 17h30

Local: auditório da disciplina de Emergências Clínicas (5º andar do Instituto Central do Hospital das Clínicas)

Inscrições:

Vagas: 30 (alunos regulares) e 5 ouvintes

Informações: Tel.: 3061-7232

Endereço: Pós-Graduação/FMUSP: R. Teodoro Sampaio, 115 – Prédio Instituto Oscar Freire

Coordenadores: Prof. Dr. Irineu Tadeu Velasco Prof. Dr. Franklin Santana Santos

Curso de Bioética do Hospital Oswaldo Cruz

O Signo da Cidade: sessão Averroes de junho

No próximo dia 29 de junho, a partir das 19h, a Cinemateca Brasileira, em parceria com a Academia Nacional de Cuidados Paliativos, o Hospital Premier, o Instituto Paliar, o Oboré e a Faculdade de Medicina de Itajubá, realiza mais uma Sessão Averroes. Neste evento, como ponto de partida para um debate sobre terminalidade da vida e Cuidados Paliativos, será exibido o filme O Signo da Cidade, dirigido por Carlos Alberto Riccelli. Participarão da mesa de discussão a atriz Bruna Lombardi, o diretor Carlos Alberto Riccelli e a médica Jane Dutra Sayd. A moderação será da Dra. Dalva Matsumoto, diretora da Academia Nacional de Cuidados Paliativos. A Sessão Averroes é um evento mensal e faz parte do calendário do Ciclo de Cinema e Reflexão. É uma atividade gratuita voltada para todos os públicos, em especial, os profissionais de saúde. Informações: www.cinemateca.gov.br

Essa é para comemorar: CP agora é lei na Espanha

No dia 10 de junho, o governo de Andaluzia, na Espanha, deu um grande passo para o reconhecimento dos Cuidados Paliativos como um direito dos pacientes terminais. Os governantes apresentaram projeto de lei sobre morte digna, a primeira de uma província espanhola, cujo objetivo será o de regular os direito dos pacientes terminais e as obrigações dos médicos que os tratem, tanto em hospitais públicos, quanto privados. Após um ano de debates, o projeto de lei intitulado “Direitos e Garantidas da Dignidade das Pessoas em Processo de Morte” precisa agora ser aprovado pelo parlamento. Uma das conquistas do texto diz respeito às sedações paliativas, que até agora estavam restritas às recomendações da União Europeia para as boas práticas médicas. Agora, este procedimento passa a ser um direito do doente: “o paciente em situação terminal e em agonia tem direito a receber sedação paliativa quando precisar” reconhece o texto, que também aponta o direito do paciente de receber estes cuidados em sua residência. Para saber mais sobre este assunto, visite o site do jornal El País: http://www.elpais.com/articulo/andalucia/enfermos/terminales/tendran/derecho/ley/sedacion/elpepiespand/20090610elpand_2/Tes

A Morte na Fala do Povo

Essa matéria foi retirada de "Jangada Brasil", uma ótima revista de folclore brasileiro, que resgata nossas raízez e nos torna capaz de resgatar sentidos de nossas ações, crenças e falas. Como se pode ver na lista abaixo, a morte permite várias expressões consagradas pela tradição, algumas até mostrando que podemos fazer piada com um assunto tão sério. Aliás, os assuntos sérios tendem a ser o objeto das melhores piadas. A MORTE NA FALA DO POVO A Abalar-se para o além Abarcar os sete palmos Abecar a dama negra Abonar o coveiro Abotoar o paletó Abotoar o pijama de madeira Abreviar a viagem Acampar no cemitério Ajuntar os pés Amanhecer olhando o dedo grande do pé Apitar Apresentar-se ao papa do inferno Atacar o paletó Atingir a reta da chegada Atolar o carro Arriar a bandeira B Bacafuzar-se Badalar o sino Bater a alcatra na terra ingrata Bater a biela Bater a bola Bater a pacutinga Bater a paquera Bater a passarinha Bater as botas Bater o pacau Bater o vinte e sete Bater o vinte e um C Cair no esquecimento Casar com a mulher da foice Cessar a suspiração Chegar a hora Chegar ao fim da estória Chispar no cavalo da morte Coalhar o sangue Comer terra na cara Comer pão de terra Comer capim pela raiz Cumprir a vontade de Deus D Dar adeus a jerimum Dar com o rabo na cerca Dar o banzé Dar o couro à vara Dar o créu Dar o último suspiro Defuntar Deixar de comer farinha Deixar de viver Desarmar a tenda Descansar Desencadernar Desligar a tomada Desocupar o beco Dizer adeus ao mundo E Embarcar Embiocar Enfrentar São Pedro Engajar no batalhão da morte Entrar no rol dos bons Entregar a alma a Deus Envelopar-se Espichar a canela Estancar o motor Estar na terra da verdade Estar na terra de onde não se volta Esticar o cambito Esticar o molambo Esticar o pernil Esvaziar os pneus F Falecer da vida presente Fazer a última viagem Fazer companhia aos defuntos Fazer gosto ao cão Fazer a vontade de Deus Fechar a sueca Fechar o furico Fechar os olhos Ficar de olho vidrado Findar Fumar-se G Ganhar o descanso eterno Gastar a mola Guardar a ferramenta I Inteirar o tempo Ir dar conta do feijão que comeu Ir desta para melhor Ir para a buíca Ir para a cidade de pés juntos Ir para o Acre Ir para o buraco de camunda Ir para o envelope Ir para o vinagre Ir pro beleléu Ir-se L Largar a casca Levar bandeira a meio-pau Limpar o lugar Liquidar o negócio M Mascar barro Morar na pensão de Santo Amaro Morrer na vez que lhe coube Mudar de planeta Mudar-se para o cemitério Mudar-se Muquecar-se N Não comer mais feijão Não comer mais pirão P Passar Passar desta para melhor Pedir baixa Pegar o expresso de madeira somente com passagem de ida Peitar a parca Perder o garrão Perder o rumo da seguição Picar a mula Pifar Pitar macaia Promover-se a defunto Q Quebrar o rabicho Quebrar a tira Queimar o fusível Queimar a piriquita R Rachar o quengo Receber as incelenças Refinar a rapadura Render a alma ao criador Render o espírito Render o fôlego S Sair da cancha Saldar as dívidas Secar o mucumbu Selar os olhos Sustar o jogo T Tomar a benção a São Pedro Tomar chá de buraco V Ver o céu por dentro Vestir pijama de madeira Viajar Virar defunto Virar picolé Visitar São Pedro Voar no pau (Extraído de Maior, Mário Souto. "A morte na fala do povo". In Revista brasileira de folclore, ano XII, nº 36, maio/agosto de 1973. Ministério da Educação e Cultura, Departamento de Assuntos Culturais)

V Congresso da ALCP

A Associação Latino-Americana de Cuidados Paliativos informa: V Congresso da ALCP (Associação Latino-Americana de Cuidados Paliativos) (15 a 18 de março de 2010, Buenos Aires, Argentina) Chamadas para envio de propostas de sessões simultâneas: interessados devem preencher formulário no link abaixo até 26 de junho de 2009: http://vcongresoalcp.org/envio-de-sesiones-simultaneas Informações atualizadas sobre programação, convidados especiais e atividades do V Congresso estão no link: www.vcongresoalcp.org

Biblioteca Virtual do site da ANCP

O livro Cuidado Paliativo, editado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, está disponível no site da ANCP, na Biblioteca Virtual. Para lê-lo, não é necessário senha. Além deste livro, há artigos da Dra. Maria Goretti Sales Macial e da Dra. Silvia Barbosa. O link é: www.paliativo.org.br. Procurar Biblioteca Virtual, no menu lateral.

Nós e os Passageiros do Vôo 447 (Erasmo Ruiz)

Vamos convivendo com tragédias todos os dias. Furacões, terremotos, enchentes, desabamentos. Até parece que os noticiários da TV nos deixa uma crosta de insensibilidade, como se víssemos as manchetes como os resultados dos jogos de times que não nos afetam.

A morte parece ter se transformado em estatística. Por exemplo, nos finais de semana prolongados somos informados da quantidade de mortos nas rodovias federais e esses números são sempre comparados com os do ano passado. A imagem já virou um clichê: o repórter a beira do acostamento com o tráfego pesado por trás dele nos olha como um certo ar de censura e nos passa os números.

Assim, milhares de vidas, projetos de existência ceifados, pessoas e individualidades chafurdam na mesmice das quantidades, de tal forma que tudo aquilo que nos é informado aparece como um fenômeno externo. A morte do outro virou manchete, incrementa o ganho financeiro das redes de TV e, quem sabe, faz os ricos optarem pelo “air-bag” e as “barras laterais” de proteção em seus automóveis.

Mas volta e meia essas imagens podem nos sensibilizar, principalmente quando os clichês impõem um maior nível de envolvimento. Aqui estou me referindo aos acidentes aéreos e, mais precisamente ao vôo 447 da Air France que desapareceu no mar com seus 228 passageiros.

Todos nós ficamos de alguma forma envolvidos. Por um lado, podemos ser mobilizados pela mera curiosidade mórbida. Disso não falarei nada pois, a depender de suas formas de expressão, será o territórios dos psiquiatras e psicólogos clínicos. Quero falar sim do envolvimento emocional. Nesses dias presenciei pessoas chorando vendo a TV e suas reportagens. Vi pessoas refletindo sobre a própria vida...enfim...percebi a morte dando o seu ar meio que filosófico, quando ela comparece e nos faz pensar na própria vida, naquilo que estamos fazendo e/ou gostaríamos de fazer.

E isso parece acontecer porque, diferente das outras reportagens, agora somos “convidados” a olhar as fotos dos mortos, a perceber que eles tinham vidas muito parecidas com parte daquilo que fazemos, que eles tinham sonhos: as férias há tanto tempo desejadas, o trabalho ambicionado, o curso de pós graduação que abriria novas portas na vida ou, simplesmente, querer ser feliz nas ruas de um país diferente e cheio dos estereótipos da luz, arte e conhecimento.

Isso tudo passou a ser importante no momento em que descobrimos que aqueles que morreram no vôo 447 eram seres humanos dotados de singularidade e sonho. No conforto das nossas salas e protegidos pelas nossas paredes, podemos vivenciar essa experiência e nos defrontarmos com o rol de necessidades que ela pode despertar.

Todos nós somos passageiros de um vôo sem que nos apercebamos disso. Somos arrastados por milhões de quilômetros todos os dias pelo Sol que marcha rapidamente rumo à constelação de Libra. Mas parte do tempo só vemos a singularidade dos mortos na TV. A maioria de nós tenta fugir da singularidade dos que vão morrer, seja no trabalho, seja em casa, seja na rua ao lado. Isso pode ter conseqüências trágicas, principalmente se pensarmos na solidão de muitos que estão morrendo hoje nos hospitais. Como já foi dito, muitos morrem bem equipados porém mal informados. E nós, pilotos e comissários desse vôo, temos que saber mais desses passageiros, afinal, voamos todos juntos.

Pensemos que as pessoas vivenciando a situação de finitude são um pouco nossos espelhos. Queremos fugir do sofrimento porque, na verdade, a maioria das pessoas padece muito ao morrerem e isso decorre da forma como são cuidadas, nós não queremos nos ver no sofrimento. Olhemos então para elas como vemos as fotos dos passageiros do vôo 447, com a diferença fundamental que as pessoas vivendo a experiência de morrer ainda estão vivas e, se fizermos tudo o que pudermos para lhes trazer conforto e autonomia, um dia quem cuidar de nós fará o mesmo. Assim, poderemos ter um pouso mais tranqüilo e chegarmos ao aeroporto que ninguém quer ir mas “morre” de curiosidade para conhecer.

Simbologia dos Ritos Funerários na Pré-História (Fernando Lins de Carvalho)

SENTIDO OCULTO DOS RITOS MORTUÁRIOS: MORRER É MORRER? BAYARD, Jean-Pierre. Tradução: Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 321 págs. Há, na racionalidade humana, a maior das angústias: a consciência da finitude. A morte, enquanto rito de passagem implica em uma estrutura de sinalização. O rito, profano em sua aparência, abre-se para o sagrado. Na relação entre o caos (morte) e o equilíbrio (vida), os ritos funerários são possuidores da perturbação da morte mas instauram uma nova ordem. A morte introduz a desorganização no processo da vida diária. As escavações arqueológicas revelam o culto prestado aos mortos na perspectiva de uma continuidade, de uma outra vida. A posição fetal do corpo, dominante nas culturas pré-históricas, simbolizaria um (re) nascimento, na mãe terra e seu fértil útero. Nas culturas humanas, desde a neanderthal às contemporâneas, há modelos de ritualização do cadáver: aceleração da decomposição, inumação, defumação, embalsamamento, ingestão canibalesca, cremação e outros. Os ritos funerais estão em correspondência com os quatro elementos: o ar, com o cadáver exposto; a inumação no elemento terra, a mais praticada; a imersão no elemento água e, finalmente, o elemento fogo, com a incineração, praticada já no Neolítico. No fundo, apesar de suas múltiplas formas no tempo e espaço, as condutas apresentam um discurso manifesto: a aceitação de uma forma de sobrevivência. Trata-se da luta humana para dominar simbolicamente a morte, negando a nossa finitude. Em 1968, Arlette Leroi-Gourhan, examinando o chão da tumba neandertalense de Shanidar, no Iraque, mostrou que o corpo fora posto sobre leito de folhas de pinheiro e coberto de flores. Jean-Pierre Bayard, importante importante semiólogo francês, disserta com propriedade sobre o assunto, talvez porque “falar da morte é o meio mais eficaz para superar nossa angústia”. Entendamos, portanto, o rito mortuário como um rito de passagem, configurando-se o esquema integração-separação-integração. O entendimento da morte como um rito de passagem foi genialmente sintetizado por Marguerite Yourcenar em as Memórias de Adriano: “procuremos entrar na morte com os olhos abertos”. Torna-se necessário morrer para renascer. Esse o constante diálogo homem-natureza em seu eterno cântico de renovação. Somos apenas um momento da vida eterna. Para algumas culturas aceita-se a reencarnação, baseada na continuidade da consciência. Contos de inúmeros povos exprimem a crença na imortalidade da alma, que passa por diversas fases antes de voltar à terra: a cosmologia primitiva aceita a doutrina dos mundos superpostos. A Reencarnação é o retorno do princípio espiritual a um novo invólucro carnal. O enterro sistemático dos corpos humanos remonta, pelo menos, a cem mil anos do presente, na cultura neandertalense. Os corpos eram depositados em posições variadas, com o arranjo das sepulturas modificado de acordo com as ferramentas, vestígios de fogueira e restos de animais. Em alguns sepultamentos os corpos eram salpicados de ocre. Nos sepultamentos o esqueleto passa sempre a ser acompanhado de mobiliário funerário, característica cultural dos sapiens sapiens. As sepulturas passam também a ser agrupadas. A prática funerária mais utilizada é a do enterramentoprimário, em covas pouco profundas (0,5m). Quatro as posições principais dadas aos corpos: alongada, semidobrada, amarrada e em flexão forçada (feto). Em geral, a posição do esqueleto é orientada na linha leste-oeste, com a cabeça voltada para o sol poente. Trata-se, simbolicamente, do reconhecimento dos ciclos da finitude na natureza: o nascer e o morrer do sol. “O sol morre todas as noites, atravessa o mundo das trevas e ressuscita todas as manhãs”. Luz e trevas passam também a estar associadas à vida e morte. Os mortos devem encontrar o caminho do além, o qual, muitas vezes, é situado no oeste, lugar em que o sol desaparece e parece morrer. Algumas culturas registram também o sepultamento em dois tempos (enterramentos secundários). Os ossos, perdidas as carnes, são exumadose lavados, sendo submetidos a novos funerais. Para Bayard, o rito cinde toda a relação do defunto com a vida terrestre pois é necessário que a carne deixe os ossos para libertar a alma. No mobiliário funerário os adornos e suas forças simbólicas faziam-se e ainda se fazem presentes em larga escala, caracterizando classe ou posição social do defunto. É provável que flores, penas, agasalhos de pele e outros tenham acompanhado o corpo mas, restam-nos somente conchas, dentes de animais ou humanos, vértebras de peixes, pérolas, seixos, ossos, marfim como vestígios do mobiliário fúnebre, notadamente das culturas pré-históricas. Esses objetos formavam colares, braceletes, pendentes e anéis. Nos vasos funerários restos de comidas que permitiriam ao defunto empreender sua longa viagem. O fogo, em geral símbolo da vida é bem presente nessas cerimônias. Pela oferenda depositada sobre ou na sepultura estabelece-se um vínculo entre os vivos e os mortos. Os artefatos líticos, pingentes de conchas e outros foram executados para embelezar a sepultura e nunca usados. Todas as civilizações, desde os tempos mais remotos afirmam que o homem tem vários corpos invisíveis (almas), os quais, na hora da morte, separam-se do corpo físico e continuam a viver em outro espaço cósmico. Para o autor, segundo os ritos funerários das diversas religiões, a alma do defunto comporta-se como o faria a de um mortal: procura um lugar privilegiado, atravessa países desconhecidos e empreendem viagemlonga e penosa; depois de muitas armadilhas, o defunto chega a outro mundo, cuja organização assemelha-se à do clã do qual ele provém e no qual a vida é muito mais feliz. Em todas as épocas o homem procurou penetrar esse mistério e aprofundar essa tênue faixa imprecisa entre a vida e a morte. Todos os povos, em todos os tempos, dedicaram e dedicam, com o culto dos antepassados uma festa ou data específica anual, a fim de honrarem seus mortos. Para o ser humano primitivo a morte definitiva não existia e continuava sua vida em outro mundo. A relação dialogada com o universo cósmico e os reinos vegetal e animal comprovam essas transformações constantes: o que nasce, morre e renasce. A imortalidade se identifica com o princípio de todas as coisas, restaurado em seu estado primordial. Humanos, não somos mais que um instante na eternidade. A vida terrestre é somente uma parcela de nossa vida cósmica. Bastante inspirador, o livro SENTIDO OCULTO DOS RITOS MORTUÁRIOS: MORRER É MORRER?, numa apresentação elegante e uso de ilustrações, peca em um ponto específico: não verticalizar alguns tópicos que são essenciais e ser repetitivo em outros. No entanto,o que não falta na obra de Bayard é matéria de reflexão e debate. Tais lacunas não comprometem a continuação da obra para os estudos da interface entre a vida e a morte em suas múltiplas linguagens. Há ainda um longo caminho a percorrer. (artigo original publicado em Canindé, Xingó, nº 1, Dezembro de 2001)

Biblioteca Virtual da Thanatos

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V Seminário Interdisciplinar para Cuidado de Pacientes Oncológicos no RS

O PIDI – Programa de Internação Domiciliar Interdisciplinar da Universidade Federal de Pelotas realizar´, entre os dias 18 e 19 de junho, o V Seminario Interdisciplinar para o Cuidados de Pacientes Oncológicos e o I Encontro Gaúcho da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, que marca o lançamento oficial do capítulo gaúcho da ANCP, sob comando da Dra. Julieta Fripp. Participam do evento duas representantes da ANCP: a presidente Dra. Sílvia Barbosa e a diretora científica, Dra. Maria Goretti Sales Maciel. A programação completa é a seguinte: 18/06 8h30 Abertura 8h45 Vídeo: Cuidados Paliativos na Sétima Arte 9h30 Interdisciplinaridade: Cuidados Paliativos e as diferentes profissões da área da saúde, Dra. Claudia Naylor – INCA/ RJ 10h30 Modelos de assistência em cuidados paliativos – Hospedaria, enfermaria, ambulatório, domicilio, Dra. Maria Goretti Maciel – HSPE/SP e ANCP 11h15 A importância da comunicação em Cuidados Paliativos, Dra. Maria Goretti Maciel, HSPE/SP e ANCP 14h Controle de Sintomas mais frequentes em câncer avançado • Avaliação e tratamento da dor oncológica, Dra. Silvia Barbosa, ANCP • Fadiga, anorexia e caquexia, Dra. Claudia Naylor – INCA/ RJ • Dispnéia, Claudia Naylor – INCA/ RJ 16h Plano de Cuidados Paliativos em Hospital Geral, Dra. Maria Goretti Maciel, 17h45 Lançamento do Livro: Cuidado Paliativo CREMESP, 2008 – Reinaldo Ayer – CREMESP / SP 18h Capítulo Gaúcho da ANCP: Silvia Barbosa, Maria Goretti Maciel , Julieta Fripp 19/06 8h30 Intervenção, enfermagem e conforto aos pacientes ontológicos em fase de Cuidados Paliativos: Enfermeira Tiane Farias – Hospital Mãe de Deus / PoA 9h15 Nutrição e controle de sintomas em câncer avançado, nutricionista Lucia Rota Borges – Oncocentro – Pelotas/RS 10h15 Odontologia e Qualidade de vida em Cuidados Paliativos, dentista Márcia Delbon Jorge – SP 11h Aspectos Éticos na Terminalidade da Vida, Reinaldo Ayer – CREMESP 14h Resultados preliminares de pesquisas em cuidados paliativos • Estudo quantitativo: Julieta Fripp – PIDI/UFPEL e ANCP/RS • Estudo qualitativo: Isabel Arrieira – PIDI/UFPEL 15h Garantia de direitos e acesso a benefícios em Cuidados Paliativos – assistente social Letícia Andrade – SP 16h Espiritualidade em Cuidados Paliativos, Eleny Vassão – Hospital Emílio Ribas/SP 16h45 As últimas 48 horas: Célia Maria Kira – USP/SP 17h30 Mesa redonda Legislação em Cuidados Paliativos, Dr. Reinaldo Ayer

Que Tal Visitar um Cemitério? (Erasmo Ruiz)

Vamos falar um pouco sobre cemitério. Quando esta palavra aparece pode vir uma associação de imagens em nossas mentes, todas elas provavelmente muito tristes. É que o cemitério sempre foi apresentado a nós em momentos de dor muito intensa, no terrível instante em que definitivamente temos que nos despedir de alguém que amamos. Desnecessário dizer que tudo isso faz a gente pensar em nós mesmos, na nossa morte o que, para alguns, coloca em xeque valores muito arraigados, crenças que antes não tínhamos dúvidas. Por outro lado, pode fortalecer nossas certezas. Estar num cemitério, portanto, nos deixa um pouco expostos, nos faz lembrar de momentos difíceis já enfrentados e de outros que ainda virão, afinal, um dos preços de se estar vivo é a crescente elaboração das perdas, é refletir cotidianamente sobre todos que já partiram. Mas, partem para onde? Estamos em busca mais ou menos ansiosa por esta e outras respostas. Bom... e se eu dissesse que o cemitério pode ser um lugar ótimo para fazermos perguntas e encontrarmos algumas respostas sobre a morte? Quer dizer que os mortos vão nos dar algumas respostas? Por incrível que possa parecer, isso é verdade. Mas não se preocupem. Em nossa visita a um cemitério não seremos assombrados por seus ilustres moradores. Se por um momento esquecermos nossos preconceitos, nossas experiências passadas e imaginarmos o cemitério como um lugar para ver e encontrar coisas novas, parte de nossas dúvidas poderão ser satisfeitas. Isso acontece quando buscamos beleza em gestos aparentemente simples, em coisas que o cotidiano faz com que deixemos para trás, em situações que rotulamos as coisas porque aprendemos que todo mundo faz do mesmo jeito. É como aquela história da moça que não dava a mínima para as margaridas que existiam em seu jardim até o dia em que ganhou um ramalhete delas do rapaz por quem estava apaixonada. Pronto, as margaridas deixaram de ser flores sem graça e passaram a ser cuidadas diuturnamente. Na verdade elas sempre estiveram ali, sempre foram margaridas só que agora significavam amor e felicidade. O homem é assim, um animal querendo deixar sua marca neste mundo. Quando os arqueólogos estavam escavando Pompéia, aquela cidade do Império Romano destruída pela Erupção do Vesúvio à 1900 anos atrás, encontraram grafites em banheiros públicos. Repentinamente as mensagens deixadas ha tantos séculos recuperaram vida e começaram a nos falar de amores mal correspondidos, de dívidas não pagas, de agradecimentos a Afrodite pelo amor tanto tempo esperado. Olhemos os túmulos de um cemitério não como sinal de tristeza mas fundamentalmente como mensagens daqueles que já se foram e que ainda estão aqui nos comunicando o sonho de décadas atrás, nos falando sobre sentimentos e perdas, nos falando o que pensavam sobre a vida e a morte. Nunca devemos nos esquecer que parte dos mistérios desta vida, de seus significados e sentidos mais profundos, passa necessariamente pela forma como cada um de nós irá construir seu sentido de morte o que, no final das contas, mostra que a vida é um bem que vale a pena ser usufruído a cada precioso segundo. Otávio Paz, escritor mexicano ganhador do prêmio Nobel, já falecido, dizia que a morte e a vida fazem parte de uma mesma totalidade, um fenômeno ainda incompreensível para a maioria das pessoas, principalmente porque o mercado de consumo transformou a nossa morte num bem comercializável. Desta maneira, o acontecer da morte foi secionado não só da vida de quem morreu, mas também da vida de quem ficou. Na verdade, vida e morte são uma coisa só a nos propor perguntas feito uma Esfinge que devora os melhores anos de nossas vidas por nossa obsessiva preocupação em decifrar-lhe os enigmas. Nesta jornada concluímos, cedo ou tarde, que as respostas serão sempre inconclusivas. Na verdade encontrar o sentido da vida é uma tarefa ao mesmo tempo individual e coletiva. Individual porque o meu sentido só terá sentido por conta de toda minha experiência, minhas flores, meus medos, minhas dores, meus amores, serão diferentes de tudo que você presenciou porque as flores, tal como ganham sentido em meu cérebro, serão sempre minhas flores. Mas, parte da minha existência se incorpora a vida do vendedor de sapatos, do cobrador de ônibus, parte da minha vida se incorpora a de vocês quando conversamos e, neste exato momento, quando este texto está sendo lido. As respostas, portanto, só existem na medida que as procure sempre em mim e no outro. E, talvez, as respostas para o sentido da vida só podem ser encontradas na razão de morrer. E o morrer só terá algum sentido se vivermos uma vida onde possamos de alguma forma deixar nossa marca neste mundo. E o cemitério é repleto de marcas. Basta querer vê-las, interpretá-las, senti-las. Caminhando pelas alamedas de um cemitério, poderemos olhando a nossa volta, apreciar as belezas de um museu a céu aberto, onde os pássaros podem livremente pousar nas estátuas enquanto usufruímos da beleza e pensamos na nossa própria vida ornada com aspectos da sua finitude. Ecos imaginários podem chegar aos nossos ouvidos: Amores não realizados, projetos de carreira inconclusos, vidas terminadas no auge da fama...mas outras vozes podem se fazer ouvir. A alegria de viver, a existência repleta de sonhos realizados, projetos construídos depois de árduo trabalho. Essa ciranda de virtuais espectros na verdade podem mostrar os caminhos que temos de fazer para viver mais plenamente. Somos senhores do agora e, portanto, responsáveis pelo que podemos fazer de nossas vidas. Neste sentido, estar num cemitério, pode nos encher de vida! A morte, a semelhança da espaçonave Enterprise de "Jornada Nas Estrelas", nos leva onde jamais estivemos. Por isso nosso medo vem de braços e abraços com a mais absoluta curiosidade. Assim, como diria o Dr Spock:"Vida Longa e Prosperidade"!

Congresso em Portugal discute cuidados paliativos em crianças (Sofia Rato)

Durante dois dias, na quinta e na sexta-feira, especialistas nacionais e internacionais detabem, em Coimbra, os cuidados paliativos nas crianças. Temas como, 'a criança em fase terminal deverá estar consciente da sua sitaução?' ou 'que lugar deverá ser dado à esperança' e ainda 'O que deve ser comunicado aos pais?' vão ser debatidos e discutidos por um vasto painel de especialistas, ligados à peditaria e habituados a lidar com casos angustiantes. O foco dos cuidados paliativos nas crianças surge no âmbito do 10º Encontro de Enfermagem Pediátrica e visa deixar pistas e respostas para temas sensíveis que não reúnem consenso. Entre os oradores destaca-se a presença da Alta Comissária para a Saúde, Maria do Céu Machado, pediatra de formação e antiga directora do serviço de pediatria do hospital Amadora-Sintra. Leia mais em: http://www.correiomanha.pt/noticia.aspx?channelid=00000021-0000-0000-0000-000000000021&contentid=63688999-735D-468D-87CB-69AE344C6A1E

Suicídio entre indígenas

Uma dos problemas ligados ao estudo da Tanatologia Descritiva no Brasil é o suicídio entre indígenas. Em "Crônica de uma morte anunciada: do suicídio entre os Sorowaha", João Dal Poz (Professor do Departamento de Ciências Sociais – UFMT) apresenta a questão: A prática de suicídio nos Sorowaha, povo de língua Arawa do médio Purus (AM, Brasil), através da ingestão do sumo da raiz de timbó (konaha), mediatiza singularmente as relações entre os indivíduos e a sociedade, projetando uma totalidade social às expensas de um drama ritual individualizador. A relevância do fenômeno é evidenciada tanto pelas taxas de mortalidade que ali se verificam, cerca de cem vezes as médias ocidentais, como também pela inusitada freqüência com que as tentativas, por motivos os mais variados, ocorrem entre eles. Pode-se ler mais sobre esse assunto em: JOÃO DAL POZ. CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA. REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 2000, V. 43 nº 1.