Que Tal Visitar um Cemitério? (Erasmo Ruiz)

Vamos falar um pouco sobre cemitério. Quando esta palavra aparece pode vir uma associação de imagens em nossas mentes, todas elas provavelmente muito tristes. É que o cemitério sempre foi apresentado a nós em momentos de dor muito intensa, no terrível instante em que definitivamente temos que nos despedir de alguém que amamos. Desnecessário dizer que tudo isso faz a gente pensar em nós mesmos, na nossa morte o que, para alguns, coloca em xeque valores muito arraigados, crenças que antes não tínhamos dúvidas. Por outro lado, pode fortalecer nossas certezas. Estar num cemitério, portanto, nos deixa um pouco expostos, nos faz lembrar de momentos difíceis já enfrentados e de outros que ainda virão, afinal, um dos preços de se estar vivo é a crescente elaboração das perdas, é refletir cotidianamente sobre todos que já partiram. Mas, partem para onde? Estamos em busca mais ou menos ansiosa por esta e outras respostas. Bom... e se eu dissesse que o cemitério pode ser um lugar ótimo para fazermos perguntas e encontrarmos algumas respostas sobre a morte? Quer dizer que os mortos vão nos dar algumas respostas? Por incrível que possa parecer, isso é verdade. Mas não se preocupem. Em nossa visita a um cemitério não seremos assombrados por seus ilustres moradores. Se por um momento esquecermos nossos preconceitos, nossas experiências passadas e imaginarmos o cemitério como um lugar para ver e encontrar coisas novas, parte de nossas dúvidas poderão ser satisfeitas. Isso acontece quando buscamos beleza em gestos aparentemente simples, em coisas que o cotidiano faz com que deixemos para trás, em situações que rotulamos as coisas porque aprendemos que todo mundo faz do mesmo jeito. É como aquela história da moça que não dava a mínima para as margaridas que existiam em seu jardim até o dia em que ganhou um ramalhete delas do rapaz por quem estava apaixonada. Pronto, as margaridas deixaram de ser flores sem graça e passaram a ser cuidadas diuturnamente. Na verdade elas sempre estiveram ali, sempre foram margaridas só que agora significavam amor e felicidade. O homem é assim, um animal querendo deixar sua marca neste mundo. Quando os arqueólogos estavam escavando Pompéia, aquela cidade do Império Romano destruída pela Erupção do Vesúvio à 1900 anos atrás, encontraram grafites em banheiros públicos. Repentinamente as mensagens deixadas ha tantos séculos recuperaram vida e começaram a nos falar de amores mal correspondidos, de dívidas não pagas, de agradecimentos a Afrodite pelo amor tanto tempo esperado. Olhemos os túmulos de um cemitério não como sinal de tristeza mas fundamentalmente como mensagens daqueles que já se foram e que ainda estão aqui nos comunicando o sonho de décadas atrás, nos falando sobre sentimentos e perdas, nos falando o que pensavam sobre a vida e a morte. Nunca devemos nos esquecer que parte dos mistérios desta vida, de seus significados e sentidos mais profundos, passa necessariamente pela forma como cada um de nós irá construir seu sentido de morte o que, no final das contas, mostra que a vida é um bem que vale a pena ser usufruído a cada precioso segundo. Otávio Paz, escritor mexicano ganhador do prêmio Nobel, já falecido, dizia que a morte e a vida fazem parte de uma mesma totalidade, um fenômeno ainda incompreensível para a maioria das pessoas, principalmente porque o mercado de consumo transformou a nossa morte num bem comercializável. Desta maneira, o acontecer da morte foi secionado não só da vida de quem morreu, mas também da vida de quem ficou. Na verdade, vida e morte são uma coisa só a nos propor perguntas feito uma Esfinge que devora os melhores anos de nossas vidas por nossa obsessiva preocupação em decifrar-lhe os enigmas. Nesta jornada concluímos, cedo ou tarde, que as respostas serão sempre inconclusivas. Na verdade encontrar o sentido da vida é uma tarefa ao mesmo tempo individual e coletiva. Individual porque o meu sentido só terá sentido por conta de toda minha experiência, minhas flores, meus medos, minhas dores, meus amores, serão diferentes de tudo que você presenciou porque as flores, tal como ganham sentido em meu cérebro, serão sempre minhas flores. Mas, parte da minha existência se incorpora a vida do vendedor de sapatos, do cobrador de ônibus, parte da minha vida se incorpora a de vocês quando conversamos e, neste exato momento, quando este texto está sendo lido. As respostas, portanto, só existem na medida que as procure sempre em mim e no outro. E, talvez, as respostas para o sentido da vida só podem ser encontradas na razão de morrer. E o morrer só terá algum sentido se vivermos uma vida onde possamos de alguma forma deixar nossa marca neste mundo. E o cemitério é repleto de marcas. Basta querer vê-las, interpretá-las, senti-las. Caminhando pelas alamedas de um cemitério, poderemos olhando a nossa volta, apreciar as belezas de um museu a céu aberto, onde os pássaros podem livremente pousar nas estátuas enquanto usufruímos da beleza e pensamos na nossa própria vida ornada com aspectos da sua finitude. Ecos imaginários podem chegar aos nossos ouvidos: Amores não realizados, projetos de carreira inconclusos, vidas terminadas no auge da fama...mas outras vozes podem se fazer ouvir. A alegria de viver, a existência repleta de sonhos realizados, projetos construídos depois de árduo trabalho. Essa ciranda de virtuais espectros na verdade podem mostrar os caminhos que temos de fazer para viver mais plenamente. Somos senhores do agora e, portanto, responsáveis pelo que podemos fazer de nossas vidas. Neste sentido, estar num cemitério, pode nos encher de vida! A morte, a semelhança da espaçonave Enterprise de "Jornada Nas Estrelas", nos leva onde jamais estivemos. Por isso nosso medo vem de braços e abraços com a mais absoluta curiosidade. Assim, como diria o Dr Spock:"Vida Longa e Prosperidade"!

6 comentários:

Anônimo disse...

Eu tenho costume de visitar cemiterios. Lá, além de conversr com os que se foram eu consigo estar e conversar comigo mesma. Um momento muito importante...

Jacqueline Abrantes Gadelha disse...

Começo a compreender uma grande amiga paraibana. Quando visita a sua pequena cidade, depois de encontrar todos os amigos, vai ao cemitério e fica lá por um bom tempo...

Unknown disse...

Querido amigo,

Esta semana falava da beleza dos cemitérios com uma amiga que viajará para a cidade de Nova Petrópolis, próximo a Gramado no RS. Há uma reprodução fiel do cemitério dos colonizadores da região que é um primor.
Bjs Patrícia

Anônimo disse...

Sempre gostei de cemitérios.
Talvez passe a odiá-los quando morrer;talvez passe a gostar ainda mais.
Só sei que gosto e não consigo explicar o porquê, exatamente:
Lugar tranquilo, para reflexão?
Lugar que nos aproxima, sem querer, de Deus?
Lugar que representa descanso dessa vida cheia de sofrimentos e injustiças?
Talvez o mistério em torno disso tudo seja a razão, e ali tudo se centra, se acumula, me faz ver o que realmente sou e ao mesmo tempo o que realmente eu poderia ser.

Anônimo disse...

Caro professor:

também sou uma admiradora da arquitetura tumular, ao passear pelas alamedas de um cemitério a sensação de reavaliação de meus atos. Começo a ver aquelas esculturas e imagino o quanto elas querem dizer sobre quem ali jaz.
Sei que parece loucura mas ao sair do local, sempre procuro fazer algo que me faça sentir muito viva, tomar sorvete, ver o mar, correr na praia, e namorar!!! será que sou normal?
Até breve!!!

Anônimo disse...

Interessante é a mística dos cemitérios, se formos pensar na arquitetura do passado veremos a representação da tristeza, talvez pelos sentimentos ali depositados com as irreparáveis perdas, a morada dos mortos, o lugar de assombramento pela idéia de que mortos podem nos fazer mal e não os vivos (rsrs), mas ao tempo que nos encontramos a idéia dos cemitérios ganhou nova arquitetura, mais moderna, iguais a parques e jardins que nada representam ao passado à exceção da dor e saudade que sempre existirão na atmosfera desses locais. Contudo ainda me pergunto se o cemitério continua a ser o lugar onde se aloja o ente querido e apenas uma vez ao ano voltamos para visitá-lo e onde muitos serão esquecidos, apagados ou mesmo desaparecidos da lembrança, visto que não fazem mais parte do convivio social. Lembro-me da infância quando ficava horas a fio no cemitério de Paquetá, comendo mangas, vivenciando a profunda paz e harmonia, nada representando de triste, talvez por não ter jogado aquele solo sentimentos fúnebres.