Realizar a vontade do morto: libertação ou escravidão (Ayala Gurgel)


A paz das pessoas enlutadas muitas vezes é conseguida pela mediação da realização de algum ritual envolvendo o processo de desapego com a pessoa falecida. Em alguns casos, esses rituais envolvem a realização de desejos, ou caprichos, como querem alguns. O fato é que muitos sobreviventes se mostram mais aliviados com a morte de um ente querido quando conseguem realizar algum desejo que ficou encomendado para ser realizado post mortem, chamado tecnicamente de vontade póstuma.


A "missão" deixada pelo falecido é como uma última etapa que precisa ser feita e fechada, para ele finalmente poder descansar em paz. Na verdade, para que os que ficam poderem descansar em paz, ou melhor, conviverem com essa perda. Assim, a realização desse último desejo é uma ferramenta importante para o estabelecimento de uma nova vida sem a presença física daquela pessoa que morreu.



A realização de vontades post mortem pode ser uma ferramenta importante para a virada na vida de uma pessoa enlutada, contudo pode ser, igualmente, uma cadeia que nunca libertará essa pessoa da vontade do morto. Algumas pessoas ficam prisioneiras dessa vontade e não reconhecem o limite para deixar de tentar realizar o impossível ou parar de realizá-la. Algumas vontades são extremamente pervesas e ferem a pessoa que se põe a realizá-la, e seus envoltos. Outras vontades, travestidas até de certo humanismo, têm como fim submeter as vontades dos sobreviventes aos planos, desejos e ideiais do falecido. Assim, a realização do último desejo pode ser tanto a libertação quanto a escravidão da pessoa morta... o processo como isso é vivido dirá se um ou outro...

Um comentário:

Anônimo disse...

Interessante o texto.
Realizar o último desejo de alguém talvez seja uma coisa boa: para quem fica, porque não va conviver vom o peso de uma obrigação não cumprida. E para quem morre, porque tem certeza de que as pessoas aqui na terra não se esqueceram dele.
O professor Ayala Gurgel não falou sobre o último desejo de prisioneiros... queria ler algo a respeito disto.