Malhação do Judas: a outra face da espetacularização da morte
A malhação do Judas não tem nada de dogma. Não pertence, oficialmente, a nenhuma religião conhecida. E, embora esteja inserida, pela vontade dos homens, dentro dos rituais macabros da Semana Santa (especialmente, a Paixão e Morte de Cristo), acredito que mesmo aqueles que não gostaram do meu post anterior irão concordar comigo que se trata de um espetáculo macabro de muito mau gosto.
Ela é uma extensão do gosto pelo derramamento de sangue e espetacularização da morte que herdamos dos romanos. Digo dos romanos e não acrescento nenhuma outra cultura graças à linha temporal que pode, espontaneamente, ser traçada entre nós e eles nesse sentido. Além do mais, somos romanos na forma de interpretarmos o mundo e, até mesmo, recebermos as influências das outras culturas.
A tanatologia crítica - aquela que estuda a morte e o morrer sob a perspectiva cultural - não pode ignorar fenômenos como a malhação do Judas. Homens, mulheres e crianças são convidados (e incitados) a catalisarem sua ira contra um único indivíduo representado em um boneco (ou, como em algumas culturas, contra um animal ou uma pessoa - como é o caso da Filipinas). O objetivo varia de cultura e época. Em algumas, essa malhação representa o ódio que deveria ser cultuado contra os judeus, em outras, contra os ímpios, contra as mulheres etc. Hoje esse ódio se prolifera: contra políticos, personagens públicos, casos recentes de indignação popular, como os Nardoni... o importante é extravasar-se em ódio contra algo ou alguém que, acredita-se ou deseja-se, deveria ser trucidado. Ter uma morte espetacular.
A nossa sociedade sempre escolhe seus judas. Aqueles contra os quais todos podemos manifestar nosso ódio que ninguém os defenderá. Ai desses! Atualmente, por exemplo, é bastante comum ouvimos críticas contra os ateus (que no meu entender não é uma opção ou convicção, mas a privação de um dom - ou se quiser, alguns dos seus efemismos: meme, gene etc) ou contra os pedófilos (que se trata de um transtorno de personalidade da preferência sexual, portanto uma doença mental, e não um crime) e os tratarmos como seres imorais, indignos de nossa convivência. Judas que merecem ser mortos com os mais sofisticados requintes de crueldade.
O que a malhação do Judas nos ensina em termos de aprendizado com a morte? Que ela deve ser espetacular? Qual a diferença da malhação do Judas e outro linchamento qualquer? O que ganhamos quando inserimos nossas crianças nesses rituais? O que tem a audiência dos programas televisivos que lucram em cima das mortes violentas e essa comemoração? O que queremos quando escolhemos pessoas, sejam por suas orientações sexuais, raça, cor da pele, formação genética ou saúde física ou mental para servirem de bode expiatório para a catarse do nosso ódio? O que ganhamos quando associamos isso a eventos religiosos?
Até onde vai o desejo dos homens de fazerem da sua vontade a vontade de todos, até mesmo a dos deuses?
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