A morte e a morte de José Alencar (Ayala Gurgel)

Essa semana, mais precisamente no dia 29 de março de 2011, morreu José Alencar Gomes da Silva, conhecido também como José Alencar, ex-vice-presidente da república.


Sua morte já era esperada, graças à sua pública trajetória de luta contra o câncer, o que o levou a várias internações no Sírio Libanês e a tratamentos experimentais nos EUA. Trajetória essa digna dos manuais de tanatologia que cai sob as mais diversas interpretações. Há quem a veja como passagem da negação à aceitação, transitando pelos mais diversos estágios descritos por Kübler-Ross; há quem veja como um exemplo de superação e vontade de viver; há quem veja como exemplo de fé e espiritualidade; há quem veja como fuga e esquiva diante da morte e do morrer; há quem veja como exemplo de obstinação terapêutica ou, até mesmo, de demonstração de poder econômico e político.

Não sei quantas nem quais são essas interpretações. Sei apenas que a morte de José Alencar não é da mesma natureza daquelas centenas de mortes diárias que não são lembradas. Par se ter uma ideia, aqui no Maranhão, mais de 50% das mortes são subnotificadas (a Comissão de Óbito só existe no papel). São pessoas que morrem à míngua, escondidas e nunca serão nomeadas. A morte de José Alencar é diferente disso. Ela já foi notificada (com o famoso FMO = Falência Múltipla dos Órgãos). Mas, não é apenas por isso que ela será lembrada. Isso é apenas um registro técnico. A morte de José Alencar será lembrada porque ela virou uma mercadoria. Isso mesmo, uma mercadoria.

A nossa sociedade cultua somente aquilo que dá lucro. Se uma coisa não dá lucro, ela será relegada a um canto qualquer da nossa existência. Se der lucro, será bem vinda e ocupará destaque nas nossas vidas. O lucro é o Deus contemporâneo.

O lucro tem muitas faces. Há o lucro religioso, o político, o social, o afetivo e, também, o econômico.

A morte de José Alencar já virou mercadoria. De todos os cantos aparecerem carpideiras e comensais querendo aparecer mais do que o falecido ou comer às suas custas. E isso só é possível em uma sociedade que o enlutamento já foi banalizado, que a dor não é mais respeitada, que a exposição sensacionalista supera tudo. Que as pessoas não deixam seus mortos em paz, elas precisam lucrar com isso.

José Alencar morreu, mas sua morte ainda irá render muito, como tem rendido. É o assunto mais comentado no twitter, é a notícia mais veiculada na TV aberta, é o principal ponto de pauta em todas as casas legislativas, é a principal manchete dos jornais. É o motivo de comoção e escárnio da vez. Será, sem dúvida, a biografia mais apelada e comparada por políticos e marqueteiros em busca do seu voto.

Um dia José Alencar fará parte do panteão fúnebre, mas, até lá, será cabo eleitoral como sempre foi, o que significa, que sua morte o deixou mais vivo do que nunca.

3 comentários:

Erasmo Ruiz disse...

Caro Ayala!

Muito interessante sua análise. Para breve vamos esperar documentários, livros e quem sabe um filme com o Lima Duarte no papel do Alencar (rs rs). Um dos aspectos que ainda pode ser explorado nesse episódio é um certo requinte "anatopatológico" da imprensa em descrever com detalhes as cirurgias, os pedaços de órgãos perdidos, esquematizações de obstrução intestinal com direito a gráficos e infográficos na Folha de São Paulo & Cia. Hoje em dia os famosos em suas mortes estão se tornando mais célebres nem tanto pela memória e sim pelas cinematográficas descrições de suas doenças. Mais um sinal da medicalização da sociedade. Abraço do ERASMO

J disse...

Sem hipocrisia. Ótimo texto.

Alvaro Mendes disse...

Infelizmente levaram até o limite o passamento do ex-vicepresidente.É a mesma chôldra dos abutres políticos.Não devemos porém desmerecer a luta pessoal do mesmo no enfrentamento da doença que transformou-se numa metáfora de superação de quaisquer desafíos de ordem moral,política,médica,e de marqueteiros de plantão.Logo aparecerá no horizonte,a famigerada teoria conspiratória que não fez morrer Elvis,JK,Trancredo,e por último,o melancólico fim do vice do "cara." É demais!