A Morte Simbólica: Outras formas de morrer (Erasmo Ruiz)

 
Quem é de Fortaleza vai logo entender. Gostaria de convida-los a assisitir um ótimo filme no "Cine Diogo". Bom, ninguém por aqui vai atender ao meu convite pelo simples fato de que o Cine Diogo não existe mais ha pelo menos 9 anos. Transformou-se num decadente shoping de galeria onde se pode comprar um pouquinho de tudo.



Assim, o Cine Diogo faz parte da lembrança dos mais velhos, uma referência de não eixstência que se perde no passado e alimenta sentimentos de nostalgia: ali alguém pode ter roubado seu primeiro beijo ou conhecido o amor de sua vida.

Interessante isso. Uma coisa não precisa estar viva para morrer pois também morrem as idéias, os conceitos, os lugares. Quando alguém perde um emprego pode estar perdendo muitas coisas além do seu trabalho: perde a companhia dos amigos, pede projetos identitários de carreira, perde dinheiro, perde um papel que afirmava aos outros parte de quem era.

Algo parecido acontece quando perdemos um grande amor. A pessoa de fato não morreu...mas morre o projeto de compartilhar a vida, morrem as idealizações que fazemos dos filhos que ainda não tivemos, morre a idéia romântica de envelhecer juntos. E quando nos separamos, a depender das circunstâncias,  podem morrer as amizades. Nessa hora descobrimos quem de fato era nosso amigo, amigo da parceira ou amigo dos dois.

E tem gente que "mata" o filho quando descobre que ele tem uma opção sexual diferente da esperada. Tem pais que "matam" outros filhos quando descobrem que não seguirão  a profissão que desejam para eles. E ainda hoje em dia tem pais que "matam" os filhos por causa de religião ou de escolhas afetivas.

Aposentados são particularmente sensíveis a morte simbólica. Quando deixam a ativa se deparam com uma lista sem fim de perdas para elaborarem e correm o risco de começar as fazer o estágio de especialista em solidão. Não porque querem mas para muitos os velhos devem morrer em vida antes de morrerem de fato.

Mas enganam-se aqueles que pensam que as crianças não tem que administrar suas mortes simbólcias. Na verdade, muitas delas fazem isso "alegremente". São aquelas crianças que diligentemente, sob a imposição das necesidades do mercado, vão assassinando a infância com requintes de crueldade. Roupas, brinquedos, maquiagens, comportamentos de consumo vão sinalizando que o tempo hoje parece correr mais depressa.

As escolas com sua diversidade curricular precoce atestam isso. Muitas crianças de 3 ou 4 anos já devem dar justificativas aos pais porque não tiraram "notas" mais altas. Mas o futuro exige um homem polivalente. Assim, colocamos os filhos para aprender natação, inglês, violão, tudo ao mesmo tempo. As crianças vão um pouco esquecendo de brincar, se tornam adultos em miniatura. Para quem duvidar, pergunto. Por que algumas lojas começaram a disponibilizar soutiens com bojo para meninas de 8 anos? De onde veio a necessidade de se querer ter seios antes do tempo? Assim, vamos matando simbolicamente  as coisas sem perceber que estamos morrendo um poquinho a cada dia!

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi Professor Erasmo!

Sou Renata sua ex aluna de Tanatologia. Gostei muito deste texto. Meu pai também leu e disse que sentiu saudade do Cine Diogo. Foi muito legal lembrar das suas aulas. Um beijão!

Carlos Henriques Gimarães Medeiros disse...

Belíssimo esse seu texto. Inclusive me abriu uma perspectiva de análise para fenômenos que não compreendia.
O primeiro deles é esse sentimento de nostalgia quando esses lugares onde construímos significados tornam-se não-lugares. Até hoje fico triste a passar em frente à casa que morei durante minha infância, pois morreu um Carlos que hoje não existe mais, ou pelo menos em sua totalidade, o Carlos criança.
O segundo fenômeno é o do medo. Não posso dizer que sou um estudioso, mas gosto de observar o fenômeno do medo. Um dos veículos pelos quais vejo esse objeto são os filmes de terror, dos quais guardo uma fixação desde mais tenra infância. Mas existia algo, para mim, inexplicável nos filmes de terror: os cenários. Por que a casa abandonada, os escombros, o prédio desabitado, são ambientes que causam horror? Quem, quando criança nunca ficou temeroso ao passar próximo a uma casa desabitada?
Esse seu texto me abriu a possibilidade interpretativa de que esses espaços são "lugares do medo", justamente por se constituírem como não-lugares, ou ainda "lugares da morte", ainda que simbólica.
A "casa abandonada" seria, portanto, uma casa vazia de vida, de lembranças, um lugar onde impera o esquecimento e o silêncio de significados.