A Representação da Morte como Protesto: Marat e Bush (ERASMO RUIZ)

Dois momentos bem distantes um do outro. Marat em meio ao calor da Revolução Francesa, e George Bush, uma quase unanimidade de rejeição quando no final de seu mandato como um dos piores presidentes dos Estados Unidos. Mas quero a partir desses dois personagens, destacar um certo papel artístico que o representar da morte tem como recorrente: a sua expressão como forma de protesto e homenagem. O quadro acima, pintado por Jacques L. David (1793) cristaliza um dos momentos dramáticos da Revolução na França, quando Marat, um de seus líderes mais destacados, é morto por Charlotte Corday. O fato de estar numa banheira pode produzir interpretações dúbias se não for contextualizado. Marat possuia uma terrível doença de pele que o obrigava a permanecer imerso na água praticamente o dia todo. Era dessa maneira que trabalhava. David, amigo de Marat, lhe presta uma homenagem. Transforma a caixa de madeira ao lado da banheira numa espécie de "pedra tumular" que dedica ao revolucionário e que também toma como superfície onde assina seu nome, talvez para mostrar que tenha morrido um pouco com o amigo. Ao mesmo tempo, ressalta o caráter traiçoeiro do assassinato para que ele nunca seja esquecido: Marat está inerte, nu, meio imerso na água da banheira e a ferida no seu peito ainda sangra. Sua morte não pode ter sido em vão. Ao mesmo tempo em que exige justiça, também exige que o ideário de sua revolução possa permanecer. Esse é o novo sentido da pessoa de Marat, cuja a morte o imortaliza no quadro e o expressa como herói a ser cultuado e lembrado . Chegamos então a George Bush. Ele também está acompanhado pela morte mas posa vivo! Seu olhar é construído a partir de um mosaico trágico, formado pelas fotografias de centenas de soldados americanos mortos no Iraque. O lembrete é claro: ele é o responsável por estas mortes e, na verdade, seu poder parece se alimentar delas na medida em que os mortos vão formando a sua imagem. A composição ganha maior efeito ainda se a percebemos primeiro muito distante para, depois, nos aproximarmos dela, uma artimanha provavelmente pensada pelo autor. Quando vemos a figura dos homens públicos na mídia, os percebemos distantes, aparecem "limpos" e "perfeitos" de toda a crosta de iniquidade em que se vêem envolvidos. Mas ao olharmos mais de perto, veremos pelo que eles são responsáveis e, ao sabermos disso, podemos então nos tornarmos co-responsáveis se nada fizermos. (veja a imagem aumentada aqui ) Pelo Visto, exitem muitas possibilidades para a morte se expressar na história e nos acontecimentos políticos. A arte meio que captura esses momentos, os reinterpreta e os trasnforma em possibilidades práticas pela ação que motivam, seja na França revolucionária do século das luzes, seja pelo Império Americano em decadência no início do século XXI.

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu caro Professor:

Interessante esse seu dom de "ler" além das formas que nos são im-postadas, essa sua visão dao quadro de Marat é deveras singular. Ele era formado em medicina, mas se encantou pelas agruras sofridas pelo povo e se tornou um revolucionário; vítima de grave infecção de pele que cruelmente o encarcerou em seu próprio sofrimento. Mas apesar disso foi vítima de um asasinato por defender e criticar a morte de idealistas como ele.
Em nossa cultura nordestina há uma crendice popular que diz que a pessoa assasinada sempre sangra, pois clama por vingança,será que esse efeito do quadro queria retratar isso?
Não havia visto essa foto do ex- presidente achei de um impacto moral surpreendente!!! uma mensagem dita sem palavras!!! que nos faz refletir como se pode impingir a morte a tantos, sem que se pensasse no rastro de dor que ficaria para trás. vejo a foto e lembro do muro das lamentações que certamente ficaria banhado de lágrimas de todas as vítimas órfãns de pais, filhos,irmãos que morreram sob a égide de uma guerra sangrenta e cruel para ambos os lados. Desculpe-me, sei que falo demais, mas suas crõnicas sempre me levam a esses devaneios.
Até breve