Arte, Corpo e Anatomia (Erasmo Ruiz)



Roy Glover está de volta. Para quem não sabe, Glover é médico, anatomista e, para mim, também artista. Sua exposição com 20 cadáveres ou melhor, peças anatômicas mais centenas de órgãos humanos sob vários enfoques, está esta semana em São Paulo. Na última vez que esteve no Brasil, levou mais de 670.000 pessoas para observar as "intimidades" do corpo humano.
Se hoje vivemos a espetacularização da morte, Glover transforma sua técnica radical de plastificação de peças anatômicas numa proposta no mínimo ousada. O espetáculo aqui ganha o espaço de alguma reflexão. Estamos diante de seres humanos mortos e que, enquanto vivos, assinaram autorização para serem "imortalizados" por Glover. Numa sociedade afastada da morte compreende-se porque tantos buscam um espetáculo mórbido na forma de exposição de arte quen agora se reveste de ciência para seduzir as pessoas frente a sua estética.
O fascinante continua sendo a perspectiva de observarmos mortos um tanto mal comportados pois agem como se vivos estivessem. Vários deles estão jogando futebol, tênis, correndo, enfim, fazem os gestos triviais dos vivos enquanto despudoradamente nos mostram suas entranhas.
Num passado não muito distante anatomistas exibiam seus dotes em praça pública mostrando a quem pudesse e/ou quisesse pagar as maravilhas da máquina humana. Estávamos rompendo os limites da sacralização do corpo transformando-o em mais um objeto a ser investigado. Hoje, se a anatomia não está oferecendo mais novidades sobre o conteúdo do corpo, a exposição pública do corpo em si, dissecado e em atitudes radicalmente novas, aparece como a novidade por excelência. E ai, vale a pena uma visita?

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