Busca da sabedoria de viver a própria morte com dignidade (Léo Pessini)



Nasce uma sabedoria baseada na reflexão, aceitação e assimilação do cuidado da vida humana no sofrimento do adeus final a partir de dois limites opostos: de um lado, a convicção profunda que brota das culturas das religiões de não matar ou abreviar a vida humana sofrida (eutanásia); de outro lado, a visão e o compromisso para não prolongar a dor, o sofrimento, a agonia, ou pura e simplesmente adiar a morte (distanásia, tratamento fútil, obstinação terapêutica). No não-matar e no não-agredir terapeuticamente está o amarás, isto é, o cuidado da dor e do sofrimento humanos, que em última instância aceita a morte e faz desta experiência o último momento de crescimento de vida, como revela todo o trabalho pioneiro da médica psiquiatra norte-americana, Elizabeth Kübler-Ross. É o ideal da ortotanásia.

Temos um grande desafio pela frente: precisamos aprender e vivenciar a dimensão do amor/cuidado para com o paciente em estado crítico, terminal, em estado vegetativo persistente ou do neonato concebido com sérias deficiências congênitas, sem exigir retorno, num contexto social em que tudo é medido pelo mérito, com a naturalidade e a gratuitidade com que se ama um bebê! Como fomos ajudados a nascer também precisamos ser ajudados a morrer. A solidariedade eficaz alia competência científica e humana a serviço da pessoa fragilizada. Isto é a garantia de dignidade no adeus à vida. Concluímos com um famoso adágio francês do século XV (atribuído por alguns ao médico Oliver Wendell Holmes) que, ao falar da missão da medicina, sintetiza de uma forma paradigmática com muita felicidade o ideal entrevisto ao longo deste trabalho em torno da distanásia. O objetivo último da medicina é "curar às vezes, aliviar frequentemente, confortar sempre". A implementação dessa visão na prática de cuidados na área da saúde vai garantir-nos a certeza de que poderemos, quando chegar o momento de dar adeus a este mundo, viver com dignidade a própria morte.
(PESSINI, L. Distanásia. São Paulo: São Camilo - Loyola, 2001, p.339)

2 comentários:

Ayala Gurgel disse...

O pe Léo Pessini, como sempre, dotado de um pensamento equilibrado e profundo consegue sintetizar os medos, desafios e esperanças de todos aqueles que militam por uma dignidade na hora da morte, longe de práticas manipuladoras e comerciais. O livro Distanásia, como os outros dois que completam a tríade, Eutanásia e Cuidados Paliativos deveriam ser leitura obrigatória nos cursos de saúde.

Erasmo Ruiz disse...

Cooncordo com Ayala! Aquilo que um currículo no conjunto de suas disciplinas consagra como "leitura obrigatória" é trido,pelo menos formalmente, como o conteúdo fundamental para o aprendizado tido como básico. Assim, os físicos devem ser obrigados na sua f9iirmação a lerem sobre a teoria da relatividade de Einstein da mesma forma que os biólogos devem ler sobre Darwin e sua teoria da evolução das espécies. Da mesma forma que profissionais da saúde devem ler sobre o funcionamento do organismo e sobre as maneiras de se buscar o restabelecimento das homeostases, devemos ser preparados existencial e tecnicamente para nos comportarmos de maneira mais adequada quando o restabelecimento se torna impossível de ser realizado. Na verdade, esse é um dos elementos que tornam a morte uma experiência ancha de indignidade. Queremos nega-la até o fim, mesmo que isso signifique colcoar os indivíduos em sofrimento insuportável. Saber sobre as formas paliativas de cuidar é tão importante quanto entender sobre anatomia, fisiologia e dos sistemas do corpo.