Vida e Morte em "Blade Runner": Quem São os Replicantes? (Erasmo Ruiz)



Muito já  foi escrito sobre Blade Runner e este texto comete o atrevimento de ser apenas mais um que pode ou não ter algo a mais para oferecer. Mas para ser sincero, não estou preocupado necessariamente em ser original, apenas em escrever alguma coisa que ache importante sobre este filme para refletirmos sobre a questão da morte e do morrer.
            
             
Antes, principalmente para aqueles que não viram o filme, vamos a um breve resumo. Por volta de 2020 as viagens espaciais e a engenharia genética fazem parte do cotidiano, estão banalizados. O filme passa-se numa Los Angeles onde quem governa a sociedade são as grandes corporações empresariais. A cidade mostra-se paradoxal. Por um lado fica evidente os avanços tecnológicos e suas conseqüências positivas, de outro, nos deparamos com os pesadelos gerados por ela: poluição ambiental – o filme faz o prodígio técnico de reproduzir uma fotografia “noir” em cores – com muita chuva ácida e sol quase que escondido o tempo todo pela fuligem e núvens - e uma superpopulação metaforizada em cenas de multidões se acotovelando em meio a vendedores ambulantes que expressam um multiculturalismo a partir da babel de línguas e produtos de todas as partes do mundo.  



Mas existem outras divisões neste mundo. A população é formada por homens e pelos replicantes, cópias geneticamente potencializadas dos seres humanos, produzidos pela Tyrel Corporation para trabalharem como escravos nas colônias fora do planeta. Embora em tudo sejam superiores aos humanos, os replicantes tem um problema básico. São programados para durarem no máximo 4 anos. Essa medida expressa-se como forma de controle caso os replicantes questionem sua identidade de escravos e resolvam agir por conta própria. Quando isso acontece, um grupo de policiais é utilizado para exterminá-los, são os “Blade Runners”. Aqui se centra a ação do filme. Um Blade Runner interpretado por Harrison Ford sai a caça de um grupo de replicantes em fuga. Mas esta caçada não será como as outras.



Um dos grandes problemas dos filmes de ficção científica é o envelhecimento precoce. Alguns inclusive já nascem com sua estética futurista completamente comprometida com o presente onde o filme é feito. Essa é uma das coisas que surpreende em “Blade Runner”. Apesar de ter sido filmado em 1982, o filme continua surpreendentemente novo em sua estética e figurinos e, dessa forma, nos ilude com sua proposta de se passar no futuro. Mas sob outro ponto de vista, o filme é tão velho quando os artefatos de pedra deixados pelo homens pré-históricos.

A narrativa, como um bom filme de estilo policial, nos prende num primeiro momento pela ações de perseguição ao velho estilo maniqueista do “bem” contra o “mal”. Mas já na primeira terça parte do filme fica evidente que não podemos mais estar presos a estas fáceis dicotomias até porque o problema central trazido pelos replicantes em fuga é a questão existencial não só de todos os personagens do filme mas também da platéia que o assiste. Na verdade, o filme projeta num futuro distante problemas humanos vivenciados por todos aqui e agora. Além de nos reponsabilizar pelo mundo poluído e insolvente, nos coloca o problema da inevitabilidade da morte e o que podemos fazer diante disso. Como nos sentimos diante de uma vida que pode se extinguir a qualquer momento? E não estamos falando apenas da vida do outro, mas principalmente da nossa vida!


Este é o conflito existencial dos replicantes. Querem saber de sua origem, querem entender como foram feitos, querem buscar mais tempo de vida, querem interromper o processo de programação genética que os leva a passos rápidos à morte. Para tal objetivo não medem esforços. Num misto de curiosidade e raiva tipicamente infantil, são curiosos, criativos e extremamente violentos. Um dos pontos altos do filme é quando o líder dos replicantes, interpretado por Rutger Hauer, se encontra com seu criador e lhe propõe as tais questões fundamentais. Qualquer coincidência com uma platéia em busca do “religare” não será uma coincidência!

A cena final, quando o policial e o replicante lutam sua batalha pessoal e coletiva onde vida e morte se defrontam, é o momento mais belo do filme. O homem e o super-homem estão finalmente um diante do outro para descobrirem que na verdade a única coisa que os difere é tão somente a força física. Depois de subjugar o policial, o replicante parece olhá-lo num misto de curiosidade e comiseração. Parece estar diante do espelho. Por estar morrendo, é tomado então por um olhar quase que em êxtase diante da vida que finda e, assim, poupa o policial. As últimas falas do replicante são um resumo de sua vida, uma especulação sobre o sentido disso tudo, uma exaltação a própria existência individual em busca de memória. Como um pensador de Rodin...reflete...enquanto morre sob a fraca opacidade de uma luz constante em meio a chuva interminável.


Assim, saímos do cinema muito entretidos...ficam no entanto algumas perguntinhas que “saíram” da tela e nos acompanham pelo resto da vida. Por que temos de morrer? Existe algum sentido nisso tudo? Como fazer para conseguir mais tempo? O que será de minhas memórias quando me for desse mundo? Todos nós somos “replicantes”!!!??

Um comentário:

Sarah Luthor disse...

Ridley Scott é um dos diretores de hollywood que apresenta mais diversidade de temas trabalhados ,raramente utiliza o mesmo ''protótipo '' nas suas produções.Blade Runner trás a temática se na busca por se torna mais humano acabamos nós tormando aquilo que achamos ser desumano ,e se o verdadeiro sentido da vida são as questões que nos afligem ,de fato Deckard busca não os replicantes ,mas a si próprio todos estam em busca da sua identidade.