As Mortes e "Ressurreições" de Bin Laden (Erasmo Ruiz)



Para quem intui que a morte não seja um evento restrito apenas ao momento em que ela ocorre, pode-se morrer de muitas formas. A depender então como se morre, do conjunto de circunstâncias que levam alguém a morrer, teremos inúmeras possibilidades de que o morrer seja um elemento que transcenda a pessoa que morre, produzindo miríade de elementos de ordem simbólica que  sedimentarão os conteúdos da memória coletiva.


Essa é uma das lições que aprendemos por exemplo com Manuel Bandeira em seu poema "Morte Absoluta" (acesse o poema aqui), de que na verdade a morte do corpo é só a primeira das mortes. A definitiva é aquela que sedimenta as ações da nossa vida nos pântanos do esquecimento absoluto daqueles que permanecem vivos. Entretanto, alguns mortos desafiam o esquecimento e, de certa forma, permanecem presentes.

O  governo norteaamericano alardeou nos últimos dias que o terrorista Osama Bin Lade está morto. A ação de um grupo militar de elite pôs fim a vida do homem que será lembrado para sempre como uma das referências biográficas do início de século XXI. Mas deixamos uma pergunta no ar. Estará Bin Laden de fato morto?

Fique tranquilo, este não é mais um texto que urdirá uma nova teoria conspiratória. Na internet já podemos encontrar versões para todos os gostos e que em breve poderão  fazer parte de algum documentário sensacionalista  na TV. Queremos caminhar em outra direção.

Ora, não basta morrer para se tranformar num morto absolutamente digno de esquecimento. Partindo-se da premissa de que Bin Laden morreu na ação norteamericana (e não estamos duvidando disso), ele transformou-se num morto cujo cadáver não pode ser visto. Também não possui um túmulo para ser visitado. Partiu desse mundo da maneira que sempre aconselhou seus adeptos a fazerem. Na ótica do fundamentalismo islâmico, Bin Laden é um mártir imolado por defender a pureza dos princípios do Islão.

Existem aspectos psicossociais que fortalecem ainda mais essa ideia. Perdas e processos de luto para serem melhor elaborados precisam de evidências claras. É por isso que muitas pessoas não conseguem fechar o processo de luto se não tiverem visto o cadáver, ficam como que "congeladas" diante de um pensamento mágico que fica repetindo como um mantra: "não é possível que ele tenha morrido"!

É este talvez o maior efeito psicológico da forma como está sendo conduzido a exposição da morte de Bin Laden pelos norteamericanos e a imprensa de uma forma geral. Não se alimenta só os teóricos da conspiração com inúmeras suspeitas, alimenta-se principalmente os aspectos simbólicos de um mito que se energiza pela "paralisação" do tempo, pela imobilidade do sentimento de raiva e frustração dos adeptos do mártir que agora veneram definitivamente um morto sem corpo e sem túmulo, um morto simbolicamente mais vivo do que nunca!

E os efeitos da morte de Bin Laden nos EUA só respaldam os sentimentos de antagonismo dos muçulmanos, as diferenças de uma sociedade mercantil e pós-moderna frente a sociedades ideologicamente marcadas por valores pré-capitalistas. Não reporto apenas as manifestações de júbilo diante da morte de um inimigo, mas a sua transformação imediata em mercadoria. A efígie de Bin Laden estampa agora de calcinhas à canecas, camisetas e  preservativos. Sua imagem é apropriada exaustivamente, é o acontecimento do momento, é o produto da vez que eclipsou o casamento da princesa e os destinos dos personagens de novelas pelo planeta inteiro.


Novamente os telejornais prestam seu tradicional serviço de desinformação. São meras usinas de montagem de uma pretensa "verdade" que deve ser repetida a exaustão. Nesse sentido, para o civilizado mundo ocidental, a imagem de Bin Laden deve ser tratada  como um cão sarnento, digno de ter sido justiçado sem que em nenhum momento seja lembrado que o próprio Bin Laden é produto dos interesses da diplomacia americana na época da guerra fria e que o mesmo governo que o justiçou deveria, em tese, te-lo levado a julgamento caso de fato obedecesse os princípios de direitos humanos que apregoa pelo mundo afora. Assim, oscilando entre o martírio e a execução sumária, as imagens de Bin Laden vão permanecendo cada vez mais vivas e marcadas pelas trágicas cores dos interesses políticos mais abjetos.

Uma conclusão pode ser tirada desde já. Alguns homens, pensando-se nas  causas que defendem, podem ser mais valiosos mortos do que vivos. Hoje, para o mundo islâmico, existe o mártir dos mártires, a imagem do homem que deve ser seguido como exemplo, afinal, morreu da forma como sempre pediu aos seus seguidores para morrer. Neste sentido, mesmo morto, Bin Laden está mais vivo do que nunca. Mortos que não se transformam em cadáveres e possam se "abrigar" em túmulos são o esteio de novas lendas, mitos e até religiões!

2 comentários:

Claudia disse...

Gostei demais! Já postei! Obrigada! Moro aqui em Chicago e nunca senti tanto medo de morar em lugar como essa semana com essas festas insanas, uma histeria coletiva... uma barbarie!

Erasmo Ruiz disse...

Olá Claudia! Do que tenho visto na TV, a morte de Osama tem sido comemorada por ai como se no Brasil tivéssemos ganho a Copa do Mundo. Creio que todo esse processo foi conduzido de forma errada e o governo americano caiu na tentação de conquistar a popularidade fácil. Mas vamos torcer pra que tudo corra bem! Abraços do ERASMO