Não é preciso morrer para experimentar a própria morte. Passamos por inúmeras situações ao longo da vida que nos aproximam da experiência existencial da morte. Alguns sábios antigos diziam que é para irmos nos acostumando com a morte definitiva. Em muitos casos, essa experiência é acompanhada de dor e sofrimento. Os pacientes com transtornos psiquiátricos passam por essas experiências, e, juntos com seus familiares, têm muitas dificuldades para superação. A ajuda profissional nesses casos é fundamental, sem perder de vista o carinho e compreensão daqueles que o acompanham. O filme Uma Mente Brilhante é um desses casos.
FICHA TÉCNICA
Título original: A
Beautiful Mind
Idioma: inglês americano
Lançamento: 2001 (EUA)
Direção: Ron Howard
Atores principais: Russell
Crowe (John Forbes Nash Jr), Ed Harris (William Parcher), Jennifer
Cornelly (Alicia Nash), Paul Bettany (Charles), Adam Goldberg (Sol),
Vivien Cardone (Marcee), Judd Hirsch (Helinger), Josh Lucas (Hansen)
e Anthony Rapp (Bender).
Duração: 135 min
Gênero: drama
SINOPSE DO FILME
O filme tomou como base a biografia de John Nash, escrita por Sylvia
Nasar, e tem como pano de fundo a questão da esquizofrenia e da
pressão do mundo acadêmico. O enredo começa com a chegada do jovem
Nash à Universidade de Princenton, em 1947, onde é recebido com uma
palestra bastante «motivadora» sobre a necessidade da busca por uma
«ideia original». Nessa universidade, Nash apresenta aos poucos uma
personalidade antissocial e se recusa à participar das atividades
rotineiras da universidade, ou pelo menos a faz a contragosto, tais
como ministrar aulas, conviver com os colegas, cortejar mulheres. Já
nessa época, começam a aparecer os surtos esquizofrênicos, um dos
quais – e bastante recorrente – é com o amigo imaginário
Charles. Esse incentiva Nash a procurar a sua «ideia original» fora
das quatro paredes do seu quarto, o que o leva a se inspirar em
fontes não convencionais, como o movimento dos pombos no parque, de
um time de futebol americano e até nos do roubo de uma carteira.
Nenhum destes três estudos o ajuda. Será em uma conversa de bar, em
meio à elaboração de uma estratégia de «paquera», que Nash
encontraria inspiração para a sua «ideia original»: uma teoria
revolucionária com aplicação à economia moderna e que contradizia
o reinado de Adam Smith na área. Com isso, ele consegue que a
universidade aceite e financie sua pesquisa. Contudo, o
reconhecimento pelo seu trabalho aconteceria somente em 1953, após
ele ter realizado alguns trabalhos no Pentágono a decifrar códigos
russos. No desenrolar da trama, Nash (na qualidade de professor)
conhece uma aluna, Alicia, com a qual viria a casar e ter um filho, e
passa a enfrentar novas crises esquizofrênicas, dessa vez com a
ideia de ser perseguido por desconhecidos. Isso o leva ao seu maior
desafio: o de lutar por sua recuperação mental e trazer de volta a
sua credibilidade como matemático. O filme termina com o
reconhecimento pelo qual Nash tanto ansiava: o Prêmio Nobel de
Economia em 1994, pelo seu contributo na Teoria dos Jogos.
COMENTÁRIOS
Em Michel Foucault, a grande questão é a do espaço, ou melhor, da
espacialização dos saberes, dos poderes e do controle sobre os
corpos. Nessa intenção, ele criou em A Casa dos Loucos
a categoria geografia da
verdade,
para descrever a situação ambivalente da troca de lugar da verdade
(o de onde ela é produzida para o onde ela é interpretada) e a
assunção do poder sobre a verdade (o discurso hegemônico que se
apropria da verdade e o devolve ao local onde ela foi produzida como
autoridade interpretativa). Nesse sentido, a verdade, que desde a
idade clássica estava associada à loucura ou ao adivinho, produzida
na periferia social (geográfica ou geopolítica), perde sua força
genuína e é deslocada para o discurso elaborado filosoficamente. O
que é dito precisa agora de demonstração através da lógica e
deve, necessariamente, fazer um novo tipo de sentido: o sentido
extrínseco da verdade. Aqueles que não conseguem produzir esse tipo de saber são anátemas, estão mortos socialmente.
O
sentido extrínseco da verdade é, como atesta Gioggio Colli em o
Nascimento da
Filosofia,
a
posse e a reviravolta de discursos até então marginalizados para o
centro da produção dos saberes. Assim, discursos como a retórica e
a dialética assumem o lugar da poética e da mitologia como os
discursos privilegiados para a obtenção da verdade., excluindo todas as outras formas de apropriação do saber como ilegítimas; como saberes loucos ou loucos saberes.
Esse tipo de
reviravolta produziu na sociedade de então o parecimento de novas
instituições detentoras do saber. O oráculo, a caverna, o
andarilho, o sábio distante, o ermitão e o louco cedem lugar ao
quase sábio (filósofo), ao retórico, a academia, à ágora, à
aulética, à dialética, ao conselho e às câmaras políticas. E,
nessa passagem, a espontaneidade com a qual o saber era produzido e o
mistério no qual era envolto, cede lugar às tecnologias de ensino e
de aprendizagem, e, pela primeira vez no ocidente, não há saber que
não possa ser ensinado nem pessoa que não possa aprender.
É
evidente que essa passagem, lenta e gradual, não deixou de conservar
algumas exclusões. Contudo, elas se mantiveram por questões
políticas e de estruturação social, não por características
inerentes ao
modelo. Porém, por outro lado, esse
modelo tem gerado certas pressões sobre o saber como produção
humana e colocado graus hierárquicos nessa produção. Não se
admira, por
exemplo, que a capacidade crítica de um gênio da matemática não
seja valorada da mesma forma que a de um aluno iniciante no assunto.
Essas gradações se mantiveram e tem contribuído para estruturar
todo o sistema educacional ocidental. O saber está na genialidade
das ideias. É justamente esse gancho que o filme Uma
Mente Brilhante
passa a explorar.
O filme começa já com a demonstração de forças do uso do
conhecimento: o conhecimento não é para a obtenção da verdade,
pura e simples, mas para dominar o mundo. Essa é uma das razões
pelas quais a pressão por ideias genuínas e publicações em
periódicos respeitáveis é justificada. A competição entre os
melhores cientistas (pressão por uma ideia original) terá como
prêmio o reconhecimento da comunidade internacional e uma
superinflação do ego, além de, é óbvio, retorno financeiro para
os envolvidos (estado, agências de fomento, instituições de
pesquisa e o próprio pesquisador). Nessa perspectiva, a geografia
da verdade elaborada por Michel
Foucault é também uma geopolítica da verdade.
Geopolítica da verdade no sentido de que a verdade perde o seu valor
intrínseco e passa a ser secundada pela relação de poder que a sua
posse permite. Essa relação, no caso citado, não está associada
exclusivamente à mentalidade criativa, mas à adequação dessa
mentalidade a regras sociais e acadêmicas bem precisas. Não basta
ser um gênio se não conseguir se expressar em modelos acadêmicos
bem definidos. Assim, a genialidade de Nash tem como maior
concorrente a sua condição mental: a esquizofrenia.
Com o Nascimento
da Clínica
Michel Foucault assegura a tese de que a condição do paciente com
transtorno
psiquiátrico
é superior à condição nosológica de ter determinada lesão
orgânica ou não. O problema emblemático entre o organicismo e o
psicologicismo para determinar as condições da doença, transtorno
ou disfunção psiquiátrica, que tem ocupado determinada tradição
psiquiátrica desde Philippe
Pinel,
passando principalmente pelas preocupações de Jacques Lacan, é
deslocado para a questão das condições existenciais do paciente.
Essa condição é tanática. Tanática no sentido de que a sua experiência de mundo é negada como válida e seu ser é considerado como socialmente morto. Ele não é mais sujeito, é apenas objeto da caridade, do cuidado e das instituições que se apregoam responsáveis por isso. Ele não se pertence, pertence à empresa psiquiátrica. Como pessoa, está morto.
Talvez
a própria experiência clínica de Michel Foucault como paciente
psiquiátrico o tenha sensibilizado a deslocar a questão da
nosologia para a terapêutica. Da condição metafísica da doença
para a político-existencial
do controle sobre os corpos. Esse controle exige certa ortopedia
social que separa os discursos
racionais, lúcidos e que devem ser aceitos e reforçados (o gesto da
entrega das canetas é uma forma de reconhecimento a esse tipo de
discurso) contra aqueles conhecimentos que não devem ser aceitos (as
alucinações, por exemplo). Nessa perspectiva, o olhar da análise
psiquiátrica feita por Michel Foucault cai sobre as condições
ambientais nas quais o paciente psiquiátrico, até antes mesmo de
ser paciente, está inserido e como se articula às pressões
decorrentes desse ambiente.
No
caso do Dr Nash Jr, o ambiente estressante pode ser
colocado como fator eliciador para os aparecimentos sucessivos e
quase ininterruptos de seus surtos esquizofrênicos. Contudo, não é
a esquizofrenia em si que se constitui um problema, é o desafio
profissional de fazer sucesso a partir da concepção de uma ideia
original. Por isso, de acordo com o filme e diferente do que sua
biografia conta, somente quando consegue o equilíbrio entre uma vida
de paciente psiquiátrico e a de professor acadêmico com a ajuda de
sua esposa, Alicia Nash, é que suas ideias passam a ser reconhecidas
e aceitas academicamente. Isso não significa, na ótica de Michel
Foucault a redenção da loucura ou da condição psiquiátrica do
paciente, ao contrário, é um reforçador do discurso de que somente
com o assujeitamento à
condição disciplinar
imposta, como aparece em Vigiar
e Punir,
que o paciente psiquiátrico está considerado apto a ser reconhecido
no mundo. A loucura foi dominada.
Um comentário:
Realmente o filme uma mente Brilhate é fantastico. A luta do ator principal contra uma esquzofrenia, revela a coragem e perseverança que ele teve p se estabelecer enquanto profissional, cidadão... E ter respeito e reconhecimento das pessoas.
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