Os Maiores Arrependimentos dos Moribundos (Erasmo Ruiz)

THE TOP FIVE REGRETS OF THE DYING: A Life Transformed by the Dearly Departing by Bronnie Ware


Uma enfermeira paliativista chamada Bronnie Ware, que faz aconselhamento com pessoas nos seus últimos meses de vida, escreveu recentemente um livro intitulado "The Top Five Regrets of the Dying". Bronnie afirma algo aparentemente óbvio mas que a maioria de nós - por não sabermos e/ou não querermos lidar com a morte - tendemos a passar ao largo: podemos aprender muito com as pessoas que estão morrendo pois elas apresentam precisa clareza de pensamento crítico sobre o que foi a sua vida e, o mais importante para quem fica, como essa vida poderia ter sido melhor vivida.


Em reportagem ao jornal "The Guardian" Bronnie afirma: "Quando questionados sobre desejos e arrependimentos, alguns temas comuns surgiam repetidamente". Foi com base nesses depoimentos que a enfermeira chegou ao seu "Top Five" do arrependimento. Vamos à lista:



1) Eu gostaria de viver a vida que eu quisesse e não a vida que as pessoas esperavam que eu vivesse.  Esse foi o arrependimento mais comum. Bronnie encontra repetidamente nas falas coletadas a percepção de que quando chegamos ao final da vida e olhamos para trás percebemos uma lista de sonhos não vividos e que grande parte disso aconteceu em função de decisões que foram tomadas pelas próprias pessoas. Por ais que invoquemos as determinações sociais do que somos, em momentos chave podemos exercer nossas escolhas e assim seremos constituídos pelo peso de nossas decisões.


2) Eu gostaria de não tr tabalhado tanto. Fala detectada principalmente entre os homens que no final da vida perceberam que o tempo investido no trabalho lhes roubou maior contato com os filhos e parceiras. Em muitas circustãncias do cotidiano não podemos estar na escola para levar o trazer nossos filhos, não assisitmos o desenho animado favorito dele. Nãos nos lembramos de datas significativas como o casamento ou o aniversário de quem amamos. star no limiar da morte parece nos cobrar sobre tudo isso. 


3)Eu queria ter tido a coragem de expressar meus sentimentos. O arrependimento centra-se na percepção de que para ficar em paz com os outros as pessoas optaram por não expressar com clareza seus sentimentos o que evou a uma existência medíocre, não se tornando de fato o que eles queriam ou poderiam ser. Bronnie identifica a constituição de percepções amarguradas da vida, o que pode ter sido a raiz de muitos problemas de saúde, incluso aqueles que estão levando a pessoa a morte.


4) Eu gostaria de ter ficado mais em contato com meus amigos. A percepção do final da vida trouxe em questão a importância dos velhos e fiéis amigos, do quanto o contato com eles era banalizado pelo cotidiano. Muitos dos que participaram dos depoimentos ficaram tão envolvidos com a própria vida que abandonaram suas amizades. Aqui fica clara a percepção do quanto a solidão pode tornar mais angustiante a perspectiva da morte.


5) Eu gostaria de ter me permitido ser mais feliz.  Aqui Bronnie destaca  que o problema central é a pessoa estar presa a velhos hábitos, ao conforto relativo de tudo o que parece ser familiar. Para ser feliz muitas vezes precisamos estar abertos a mudanças. O trágico é perceber isso no final da vida junto a constatação de que não há mais tempo para mudar as consequências de certas escolhas ou mesmo de na verdade não as ter feito.


Claro que inúmeras críticas poderiam se feitas a este trabalho. Por exempo, ele não traria a clara marca de uma sociedade que vivencia o extremos do desenvolvimento capitalista e toda suas consequências na criação de pessoas cada vez mais individualistas, que aprenderam que uma existência só pode ser significada a partir de tudo o que pode ser obtido no emprego/trabalho? 


Vejo com nitidez aquilo que o psicanalista Erick Fromm identificou um dia lá pelos anos 50 e 60 como as consequências psicológicas da alienação no sentido marxista: vidas embasadas mais no "ter" do que no "ser", que vão construindo a apoteose da busca da riqueza financeira pela riqueza, exacerbando uma estética do individualismo e buscando sentido das coisas de uma forma externa a própria coisa. Ou seja, não importaria tantos o trabalho que se faz mas sim o dinheiro que se obtêm por ele. Não importa mais que eu sou mas sim o que posso comprar e consumir. 


Entretanto, existiriam culturas onde esse arrependimento mudasse o seu prisma? Ou, melhor dizendo, o que entendemos como arrependimento mudaria no exame das muitas culturas ou mesmo nas inúmeras diferenças regionais, de classe social ou espaços urbanos? Existe aqui o velho problema de se reduzir fenômenos complexos ao reino das tipologias como se elas pudessem dar conta de explicar e entender os inúmeros projetos de hominização. 


 Mas pensando na minha própria experiência, de tudo que já presenciei, li e ouvi, creio que existe muito sentido nas falas reveladas pelo livro de Bronnie Ware.  No final da vida, ao que parece, as pessoas sentem o peso insuportável de uma existência onde a liberdade de ser foi secundarizada ou mesmo tenha sido percebida como inexistente. E isso em sociedades que o tempo todo afirmam feito um mantra de que promovem a liberdade e que seus partícipes são livres. 


Estar vivendo os momentos finais parece nos tornar mais sedentos de uma existência livre. Talvez por isso Montaigne tenha afirmado um dia que aquele que tenha perdido o medo de morrer tenha de fato perdido o medo de toda e qualquer sujeição. A consciência mais plena da morte nos alerta que existir é a árdua e prazerosa tarefa de sermos nós mesmos.



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