Até que a Morte Nos Una: Francesa se casa com Namorado Morto (Erasmo Ruiz)

Não é piada mórbida. Aconteceu esta semana na França. Magali Jaskiewicz morava junto com seu namorado Jonathan Goerg. Os dois já tinham dois filhos e, então, resolveram se casar de papel passado. Dois dias depois de terem entrado com os papeis para a realização do casamento, Jonatthan morreu num acidente de carro. O que seria um impedimento natural em qualquer lugar do mundo não ocorreu na França. É que lá a legislação permite essa forma de casamento desde que o morto tenha manifestado em vida (lógico) o interesse em se casar. Para que isso aconteça, depois de alguns trâmites, deve haver autorização formal do Presidente de da República. O casamento aconteceu em Dommary-Baroncourt, no leste da França. Magali usou o vestido de noiva comprado há um ano. Jonathan se fezx "presente" a partir de uma foto colocada num cavalete. Depois da cerimôonia Magali disse não estar muito animada para festejos mas ainda assim estava feliz por se casar. Uma história triste, ao mesmo tempo lírica e romântica. Mas, fora o romantismo, há que se destacar uma questão importante. Não parece ser um sinal de uma cultura que respeita a vontade dos indivíduos, mesmo que estejam mortos? Com a palavra o nosso querido Doutor Ayala Gurgel, expert em direito social dos moribundos.

2 comentários:

Ayala Gurgel disse...

Olá, Erasmo
Vou aceitar a provocação...
Um dos livros mais lúdicos da Bíblia, o Cântico dos Cânticos, fala que o amor é mais forte do que a morte. O que pode significar que a experiência de manter um "casamento" com a memória do falecido não é uma novidade da cultura francesa. Aliás, a encontramos tanto em sua forma mais aceita quanto na mais exagerada, que chamamos atualmente de complicada... O que há de novidade no episódio francês, já estudado por Foucault é o desejo do Estado de controlar o como essa realação afetiva, de amor, com o falecido pode ser vivida. Ele normatiza e autoriza ou desautoriza o que pode ser socialmente aceito em matéria de amor.
Outro fator a ser considerado nesse mesmo Estado é que ele tem certa vocação para reconhecer a memória do morto desde algum tempo, como bem mostra a tradição dos testamentos. O próprio conceito de pessoal formal (a pessoa do falecido) é uma herança francesa. Assim, reconhecer o falecido como uma pessoa portadora de direitos e de relações jurídicas e sociais com os vivos, não é uma novidade na França (talvez por isso o espiritismo seja francês). O que a França fez, e ainda faz, é interditar o direito do moribundo - e nesse sentido, há certo atraso jurídico. Naquele país se recusa o direito de morrer e se atribui mais direitos ao que já morreu do que àquele que estar a morrer, como podemos observar em um famoso episódio: o de Vicent Humbert.
Com base nisso, repito o maior inimigo da regulação dos feitos do amor na frança, o Marquês de Sade, quando disse: "Recuse o que quer controlar o Estado, o amor não precisa dessas regras".

Marco Antônio Abreu Florentino disse...

Prezados Erasmo e Ayala
Afora as questões jurídicas e sócio-políticas que envolvem o caso, acho que a noiva tem que viver o seu momento. Ontem, em resposta ao Luiz Cesar, escrevi este texto sobre eternidade, lembrando-me de que nos casamentos (e também nas fábulas) o padre finaliza: e que sejam felizes para sempre (ou viveram felizes para sempre). Abraços saudosos.
ETERNIDADE

Nunca me iludi com essas questões sobre eternidade... somos finitude e concretude. Nossa história existencial começa quando apreendemos a racionalidade, ou seja, a capacidade de pensar o mundo e a nós mesmos; continua no processo da ação vivencial e termina no desvelar do ser, ou melhor dizendo, do sentido do ser... a morte e, a partir daí, o NADA. ¨Khayyam, não te aflijas por seres um grande pecador! É inútil a tua tristeza. Depois da morte virá o NADA ou a misericórdia¨ (Omar Kháyyam).
Isso é niilismo? Claro que não, afinal, é justamente na angústia da consciência de todo este ciclo existencial, que faz com que preenchamos o vazio das nossas existências, seja na arte, no trabalho, no prazer, no sofrimento, no amor, no mêdo ou na felicidade.
Em suma, há que se viver intensamente o momento existencial, com suas contradições, interrogações, provocações, certezas, sonhos e mistérios. Observem o recurso de linguagem que utilizo para enfatizar o que digo, com diversas palavras que expressam diferentes sentimentos. Assim o faço para representar, de forma mais aproximada , o que é nossa existência, aliás, nosso MOMENTO existencial, que não carrega o passado, que é projeção e não se atrela ao futuro, que é antecipação.
Talvez assim possamos superar a ANGÚSTIA da nossa condição de ¨SER PARA A MORTE¨. Mas tem que ser um processo cíclico, pois só na angústia nos tornamos autênticos, sendo esta, portanto, necessária. Novamente Khayyam: ¨Os dias passam rápidos como as águas do rio ou o vento do deserto. Dois há, em particular, que me são indiferentes: o que passou ontem, o que virá amanhã¨.
Quanto à questão genética, compreendo-a análogamente como as teorias espíritas da reencarnação, só que do ponto de vista físico ou fisiológico. Com o tempo, a fragmentação do ser em inúmeros outros seres descaracteriza a sua identidade, que antes representava sua alma e que, na pequenez da nossa memória, também desaparece, como um ente perdido na linha incognoscível do espaço e tempo.
Entretanto, na obra de arte, a representação ôntica permanecerá infinitamente além da sua representação ontológica.
Já na questão religiosa... bem, esta eu prefiro me calar. E tome Khayyam: ¨Que vale mais? Fazer exame de consciência sentado na taverna ou prosternado na mesquita? Não me interessa saber se tenho um senhor e o destino que me reserva¨.
Marco Antônio Abreu Florentino