Morte e Imortalidade Na MItologia Grega: Asclépio (José Jackson Coelho Sampaio)


O deus Apolo amava Corônis, neta da musa Érato. Mas Corônis preferiu ser amante de um mortal, que envelheceria com ela, do que amante de um deus que a abandonaria, logo surgissem as marcas mortais do envelhecimento. 


Um corvo branco foi informar esta traição a Apolo que o flechou, para todo sempre enegrecendo-o, e depois, com as mesmas flechas, matou Corônis, incendiando-a, imolando-a pelo fogo. De seu útero em chamas, Apolo resgatou o filho, semi-divino, nos seus seis meses de gestação, ao qual deu o nome de Asclépio. Este filho, nascido das brasas da escolha materna pela mortalidade humana, foi entregue ao Centauro Quíron para ser criado e este o educou nas artes da cura, na descoberta dos lugares adequados para uma vida saudável, na preparação de ervas para os tratamentos, na identificação das águas para os banhos propiciatórios e no mistério dos elixires extraídos do sangue da Górgona.
            A fama de Asclépio correu mundo e ele estabeleceu um culto próprio, para que a força das crenças na mente impulsionasse as vontades; um sistema de formação de curadores, assim multiplicando multiplicadores de seus próprios dons; outro sistema de serviços de cura, em articulação com os esportes para a movimentação do corpo e em articulação com as artes para que a tragédia, a comédia e a poesia estimulassem a inteligência e a criatividade. Asclépio promovia a saúde, prevenia e tratava doenças, inventava ungüentos, bálsamos, elixires e estilos de vida. Mas, um dia, alcançada a excelência no seu nível, desejou muito mais, desejou contrapor-se diretamente a Hades, surrupiando-lhe mortos, e começou a ressuscitar.
            Zeus, furioso com a ousadia, pediu aos Cíclopes a preparação de um raio especial e com ele fulminou Asclépio. Apolo, pai furioso, fiel à memória divina de um grande amor mortal, mata os Cíclopes que haviam forjado o raio. Depois, culpado, responsável, disposto a restabelecer a hierarquia e a governabilidade do Olimpo, oferece a Zeus uma expiação: com a aparência humana, servirá, como pastor, ao jovem rei Admeto, filho de Feres. A tragédia está sempre à espreita destas promiscuidades entre deuses e humanos e Apolo, ao perceber que Admeto morrerá muito cedo, embriaga as Moiras, as encarregadas do trânsito dos corpos mortais ao Hades, e elas, confusas e fascinadas pelos poderes do deus, aceitam levar outra pessoa no lugar de Admeto. A noiva de Admeto, Alceste, oferece-se para a troca. Mas então, para Admeto, impõe-se morrer ou viver sem seu amor, outra forma de morte. Apolo encontra uma solução, quando chama Héracles para lutar com as Moiras, na condição de, se Héracles vencesse, as Moiras voltariam para Hades de mãos abanando, sem a colheita daquele dia. Héracles venceu e Apolo decidiu que era hora de voltar ao Olimpo, pois cada decisão sua, no mundo dos humanos, envolto na simpatia que eles despertavam, estava sempre fadada a mudar tragicamente algum curso das coisas.
            É interessante acompanhar as bifurcações da estória de Asclépio, desde que sai da Tessália e ganha o mundo grego, um mundo que nos deixa de herança, como pensa Nietzsche, duas grandes vertentes culturais: aquela denominada apolínea, da ordem, da clareza, do pensamento, da razão, da consciência, e aquela denominada dionisíaca, da revolução, da obscuridade, da imaginação, do irracional, do inconsciente. Asclépio integra-se nas duas vertentes, quando também é incorporado aos ritos místicos e mágicos de Elêusis, primitivos, iniciáticos, dionisíacos.
            Mas, voltando ao caminho principal, Apolo retorna ao Olimpo e consagra a memória e as cinzas de Asclépio como terapêuticas, estabelecendo, definitivamente, as regras de seu culto, que se espalhará pelo Mediterrâneo, pelas Cíclades, com centro em Delos, pela Attica, com centro na lateral sul da Acrópole de Atenas, entre os montes e os ventos de Epidauro, onde se estabelece o festival anual denominado Epidauria. A imortalidade de Asclépio se faz no céu, como constelação de estrelas, a Constelação de Ofiúco. A imortalidade de Asclépio também se faz na terra: a arte da Medicina nasceu, em nome de Apolo, de Asclépio, de suas filhas, Higéia (condição de saúde) e Panacéia (capacidade de cura), e de um cajado em torno do qual uma serpente repousa e nos observa, sibilante, com fármacos no gume dos dentes.
            E hoje, novamente, introduzimos nossas digitais eletrônicas na engenharia genética e ousamos ressuscitar. É possível prever que outros castigos se avizinhem e, desta vez, não haverá apenas um semi-deus para atrair os raios ciclópicos e ser destruído em nosso lugar: seremos todos dizimados... Talvez?

Continua em Próxima postagem

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