Nesse dia 05 de junho,
a jornalista Fernanda Aragão, do IG São Paulo, publicou uma
reportagem sobre a trajetória da dor de Massataka Ota, que teve o
filho de 8 anos assassinado durante um sequestro. A história dele
representa a de muitas outras pessoas, enlutadas por causa de uma
sociedade que despreza a vida humana em troca de muito pouco.
A história de dor e
sofrimento desse senhor começa com a notícia do sequestro do seu
filho e se acentua com a de sua morte. Morte que interditou muitos
sonhos de sua família e levou-o a uma realidade na qual o alcoolismo
e o desejo de vingança, longe do acompanhamento médico e
psicológico, foram os sintomas mais evidentes de que algo estava
errado, não só com a pessoa do sr. Ota, mas com toda a sociedade
que permitiu e reforça esse tipo de situação, além de exigir do
enlutado coerência onde falta sentido e retorno à normalidade onde
o normal é patológico.
A reportagem completa
pode ser acessada no site do IG:
http://saude.ig.com.br/minhasaude/bebia+meia+garrafa+de+uisque+por+dia+para+afogar+meu+odio/n1596998687969.html
O que quero destacar
aqui é que, casos como esses não são raros. As mais diversas
formas de violência, especialmente a violência armada motivada por
crimes contra o patrimônio e a vida, têm deixado órfãos e pais
enlutados por seus filhos (nota-se aqui que isso é tão estranho que
na nossa língua não há sequer uma palavra para designar esse
estado de luto – o do pai que perde o filho). E, junto com a dor e
sofrimento, o desejo de vingança, o ódio sendo alimentado por um
sistema inoperante, corrupto e pouco educador.
As perdas se somam e se
multiplicam quando observamos que as pessoas enlutadas vítimas de
violência não recebem a assistência devida e são pressionadas a
perdoar rapidamente, como se o perdão fosse a única terapêutica
viável (embora seja, em muitos casos, a única disponível) e manter
sentimentos como ódio e desejos como vingança fossem ainda mais
malévolos, e dessa vez, depondo não apenas contra a dor, mas também
contra o caráter do enlutado.
Ambivalências de
sentimentos e desejos são comuns e presentes em muitos enlutados.
Não há a dor pura quando se perde um filho dessa forma, logo, não
deve haver ortodoxia terapêutica nesses casos. Posicionamentos em
favor de determinados valores são meras valorações do terapeuta e
da sociedade que acabou de legitimar e favorecer a supressão da
pessoa amada. Voltar-se contra tudo o que aquela sociedade representa
não é somente uma atitude comum, mas até mesmo esperada. Assim,
sentimentos como ódio e desejos como vingança não devem depor
contra o enlutado, mas serem compreendidos como ambivalências desse
tipo de enlutamento.
E, se for verdade o que
Santo agostinho ensinava sobre o perdão (perdoar de verdade é
esquecer o motivo pelo qual se perdoou), podemos até dizer que não
se deve buscar, nesses casos, o perdão, mas apenas a remoção do
desejo de vingança.
Um comentário:
Estamos cada vez mais reféns do politicamente correto e da estética imbecilóide. Ora, é feio sentir ódio, pega mal querer vingança, não cai bem. A maior parte dos terapeutas ainda está cheio de ranços e conceitos herdados que nem mesmo são seus e muitas vezes nem acreditam, mas continuam reproduzindo na prática terapêutica sem sequer parar para pensar no que estão fazendo - talvez porque não consigam. Agora, os sentimentos são reais, estão ali, devemos negar, fingir? Não! Só precisamos de senso crítico e parar com a hipocrisia do "mundo feliz onde todos se amam e tudo é lindo". Texto ótimo, aliás, teu blog é todo ótimo.
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