O Último Desejo É Inegável (Erasmo Ruiz)


Tantas e tantas pessoas morrerm sem realizar seus últimos desejos. Muitas nem sabem que estão morrendo. Tem suas autonomias cerceadas em nome do amor e do afeto, diagnósticos ocultados numa coonspiração entre profissionais de saúde e familiares. Mas será que não podemos roubar alguma coisa quando assim agimos?


Outras vezes não realizar o último desejo é uma opção, expressão melancólica do negar a própria morte, afinal, assumir que se realiza o último desejo é enfaticametne assumir a verdade da própria morte como algo que não pode ser evitado.

Outras vezes o último desejo nos coloca o desafio da "piscina de macarrão" de Patch Adans. Lembram-se do filme? Uma doce velhinha as portas da morte compartilha com todos a fantasia que sempre teve de mergulhar numa piscina de  macarrão. Pois Patch não mede esforços para realizar a fantasia, radicalizando o princípio paliativista de cuidado que acolhe TODAS as necessidades do paciente.

O direito ao último desejo é consagrado inclusive aos criminosos condenados a morte. A marioria das legislações no coidente lhes oferece uma última refeição a sua escolha bem como oportunidades de receber visitas em dias e horários não usuais, afinal, a pessoa vai morrer. Existem relatos comoventes de como condenados passaram suas últimas horas na companhia de familiares e amigos.

O último desejo é tão imoportante que deveria ser garantido por lei e seu não atendimento criminalizado como "omissão de socorro humanitário". Aqui cabe lembrar inclusive que o último desejo é invocado poeticametne em outras situações de morte, como a perda de amor como nos ensina Noel Rosa:

Nunca Mais quero seu beijo
Mas meu último desejo
Você não pode negar 

Pensando que Noel Rosa morreu jovem e de tuberculose, talvez ele expressasse esse verso com relação a prórpria morte já que no Brasil dos anos 30 o diagnóstico de tuberculose era compatível com uma sentença mortal.

Por isso não causa espanto essa notícia que nos chega dos Estados Unidos onde um morador de rua de 57 chamado Kevin McClain  foi levado para uma emergência onde se constatou que tinha câncer de pulmão em estágio avançado, com poucos dias de vida. Ele morou durante anos dentro de um carro  na companhia de sua cadela de estimação, na verdade sua única e verdadeira amiga.

O animal foi levado para um abrigo onde foi depois de poucos dias adotado. No hospital, ao saber do diagnóstico, Kevin expressou seu último desejo: receber a visita de sua  grande amiga. É isto que vemos nessa foto, um momento terno, humano, triste porém cheio de potência de vida e amor.

Estamos preparados para acolher a morte nos nossos locais de trabalho em saúde? Quantos de nós seríamos refratários a realização desta necessidade se Kevin estivesse próximo de nós? Quantos no dia-a-dia em nome das rotinas e da pretensa preservação da normalidade podem impedir que gestos humanos como este se efetivem?

Uma das mensagens sábias do passado é que não podemos negar o último desejo de alguém. Existem muitas justificativas de ordem ética ou mesmo religiosas para isso. Mas talvez a verdadeira razão seja muito mais simples. Ao atender ao último desejo de alguém nos mostramos socialmente dignos para que nossos últimos desejos também sejam atendidos no futuro.

Kevin provavelmennte morrerá em paz tendo gravado em seu olhar as despedidas de sua cadelinha e sabendo que ela está num lar que a adotou. Quantos e quantos desejaram que esse ritual se reproduzisse não só com animais de estimação mas também com pais, irmãos, esposos, amigos... isso é uma das coisas que sonegamos quando não acolhemos a morte!

Um comentário:

Emília disse...

Erasmo, este relato me fez lembrar uma criança que tivemos no HILP, portadora de Leucemia. Na sua primeira crise, horas antes de ser transferida para a UTI, conversamos com a sua mãe que estava muito angustiada, não só pela possibilidade de não reversão do quadro de saúde da filha, mas também pela possibilidade da sua morte sem ter comemorado um único aniversario. Sensibilizada com essa realidade, nos articulamos com as equipes de profissionais e improvisamos uma festa de aniversario com bolo e vela pra comemorarmos o seu 8º ano de vida, que na realidade, seria completado dois meses depois. Ela e a mãe ficaram superfeliz com a festa. Ate´ os sintomas de dores físicas que eram fortes, foram aliviados. No meio da comemoração ela foi retirada pela equipe para condução `a UTI. Duas semanas após , ela retornou para a enfermaria. Uma das nutricionistas que tinha uma ligação muito forte com ela, no mês do seu aniversario patrocinou uma mega festa pra ela, fora do hospital. Uma grande parcela dos profissionais participou. Foi um momento muito lindo e tocante. A criança estava radiante com a festa e com os presentes recebidos. A família inteira ficou emocionada e grata pelo gesto da nutricionista e participação dos demais profissionais. Um ano depois a criança faleceu. Entretanto a família nunca perdeu o vinculo com o hospital e sempre fala com carinho daquele momento de felicidade vivido pela filha.

Um beijão!
Emilia