A (I)Mortalidade de Steve Jobs

O mundo está bem mais próximo do que no passado. Maravilhas da ficção científica fazem parte do nosso cotidiano. Vemos a imagem das pessoas que amamos nos telefones, e conversamos com elas. Nossos gostos e sensações são transmitidos a milhares de quilômetros. Tocamos nas telas dos computadores e eles nos obedecem. Carregamos nossos livros, músicas e fotos em dispositivos móveis do tamanho e diâmetro de um cartão de crédito. Mais recentemente, nossos computadores ficaram reduzidos a uma tela brilhante de cristal líquido: os “tablets”. Em tudo isso e mais um pouco, habita a alma de Steve Jobs.

Ontem Jobs saiu de cena. Tentou manter-se ativo até muito próximo de seu fim. Lutou durante anos contra um câncer. Morreu como todo mundo tem que morrer um dia. Mas estava longe de ser uma pessoa comum. Seus “brinquedos” invadiram nossa vida de tal forma que não nos damos conta da sua importância, tal a trivialidade de um jovem ouvindo seu Ipod ou de alguém usando um Iphone

Mas quero destacar dois pontos com relação a morte de Steve Jobs, afinal, meu olhar teima em pensar a morte boa parte do tempo...claro...cumpro a assertiva de Norbert Elias quando afirmava que “a morte é um problema dos vivos”. Não deixa assim de chamar a atenção como os admiradores de Steve tem deixado mensagens usando seus perfis nas redes sociais. Podemos dizer sem medo de cometer equívoco que milhares e milhares de pessoas estão enlutadas porque Steve Jobs morreu.




A internet tornou-se um veículo natural para que expressemos nossas paixões, indignações, inclinações políticas, condutas sexuais, interesses de consumo. Com a percepção e elaboração da morte não é diferente. Volta e meia nos perfis das redes nos deparamos com mensagens de luto, com pessoas que trocam suas fotos por sinalizações de suas perdas, colocando a velha faixa que ficava presa na lapela agora estendida virtualmente nas imagens e mensagens. Qual o objetivo? Talvez o mesmo de antes. Expressar coletivamente a dor e receber apoio por isso, diminuir a sensação de solidão que a morte provoca afinal, morrer é a ação solitária mais coletiva que existe no campo de nossa experiência prática.

Outra coisa que chama a atenção nas homenagens a Steve Jobs é como seus inventos agora passam a ser utilizados como veículos de expressão da dor e da celebração da memória. Em muitos lugares foram deixados Iphones e Ipads com a imagem de Jobs ornada com flores reais e mensagens de pesar. Em passado próximo, usávamos imagens esculpidas  do morto, depois desenhos ou fotos. Agora, estamos mesclando artefatos tecnológicos com símbolos tradicionais de pesar. Parece que algumas coisas mudam para permaneçam exaltando e satisfazendo as mesmas necessidades.




Mas quero destacar algo que passa desapercebido nas centenas de obituários de Jobs que teimam em destacar seu papel de gênio inventor e visionário mas que se omitem em conjecturar sobre os possíveis motivadores da tal genialidade de Jobs. Em 2005 Steve Jobs foi chamado para fazer um discurso na formatura de alunos da Universidade de Stanford. O discurso, (veja vídeo no final deste post), segue a linha tradicional dos discursos de formatura: fala de sacrifício, exorta os jovens a buscarem seus sonhos, compartilha da própria biografia como um fator motivador para quem vai começar a trilhar a própria estrada. Mas existe algo em sua fala que foge ao padrão. Em discursos de formatura não ouvimos ninguém falar sobre a morte. Pois foi justamente o que Jobs fez:

“Quando eu tinha 17 anos, eu li uma citação mais ou menos assim: “Se você viver cada dia como se fosse o último, algum dia provavelmente você vai acertar”. Aquilo me impressionou, e desde então, nos últimos 33 anos, eu tenho olhado no espelho cada manhã e perguntado a mim mesmo: “Se hoje fosse o último dia da minha vida, eu ia querer fazer o que eu vou fazer hoje?” E sempre que a resposta foi “Não” por vários dias seguidos, eu soube que eu tinha que mudar alguma coisa.

Aqui vemos o quanto pensar na morte parece meio que nos redirecionar para os sentidos que vamos dando ou construindo para nossas vidas. Trilhar a existência como se todo o dia fosse o último faz com que possamos nos questionar cotidianamente em busca de uma vida mais livre e plena, nos transforma em críticos mais severos do próprio caminho que vamos trilhando.

“Lembrar que eu logo vou estar morto é a ferramenta mais importante que eu já encontrei pra me ajudar a fazer grandes escolhas na vida. Porque quase tudo – toda a expectativa exterior, todo o orgulho, todo o medo de dificuldades ou falhas – estas coisas simplesmente somem em face da morte, deixando apenas o que é realmente importante. Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de achar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para não seguir seu coração.

Impossível não pensar em Montaigne quando nos dizia que perder o medo da morte nos torna livre de toda a sujeição. Jobs alerta que diante da condição de finitude estamos nus. Com essa metáfora afirma nossa vulnerabildiade diante da vida e, se assim é, para que ter medo de coisas tão pequenas? Ter que morrer um dia deveria nos livrar do fardo das convenções. Elas simplesmente desaparecem diante de tudo o que a morte pode representar em nossas vidas pois lembrar diuturnamente que não mais estaremos aqui nos impulsiona a buscar as boas escolhas, percebendo o quanto o nosso tempo de fato é precioso!

“Ninguém quer morrer. Mesmo as pessoas que querem ir para o céu não querem morrer pra chegar lá. E mesmo assim, a morte é o destino que todos nós compartilhamos. Ninguém nunca escapou a ela. E é como deveria ser, porque a Morte é muito provavelmente a melhor invenção da Vida. É o agente de mudança da Vida. Ela tira o velho do caminho pra dar espaço pro novo. Por enquanto o novo são vocês, mas algum dia não muito distante, vocês gradualmente vão se tornar os velhos e sair do caminho. Me desculpe por ser tão dramático, mas é totalmente verdade. Seu tempo é limitado, então não gaste vivendo a vida de outra pessoa. Não caia na armadilha do dogma – que é viver com os resultados do pensamento de outra pessoa. Não deixe o ruído da opinião alheia sufocar sua voz interior. E mais importante, tenha coragem de seguir seu coração e sua intuição. Eles de alguma forma já sabem o que você realmente quer se tornar. Tudo o mais é secundário.”


Pessoas como Jobs sempre existiram. Outros virão. Mas talvez possamos ter encontrado um dos segredos que existe por detrás dos produtos tecnológicos que ele criou. O que está por trás da insistência, da perseverança? O que existe por trás da busca constante por excelência? Alguns diriam que pessoas como Jobs nunca deixam de ser crianças na medida em que ainda se vêem presos a uma forma de pensamento mágico que instila a fantasia e comete o atrevimento de torná-la em parte realidade. Mas, junto a essa “criança” existe algo mais. A morte, semelhante a lenda budista, pousava todos os dias nos ombros de Jobs e lhe perguntava se ele estava preparado para ouvir seu trinar. Como ele nos ensinou, isso pode ser o grande impulsionador não só para fazer tablets, mas também para sermos mais felizes! 



2 comentários:

Anônimo disse...

Steve Jobs é um daqueles casos que o liberalismo pode selecionar como exemplo de que suas teorias funcionam e até mesmo um bastardo, renegado, pode se transformar em um homem de sucesso que mudará o mundo. Muitos gostariam de estar na sua pele, de sê-lo, apesar da morte breve. Afinal, a morte breve do herói é desejável à morte longa do anônimo, na sociedade herdeira dos ideais trágicos gregos. Contudo, a forma como essa empatia se manifesta é muito curiosa e preenche todos os requisitos daquilo que Cole, em 1972, chamou de Luto Virtual. Muito boa sua análise sobre a pós-morte de Steve Jobs

Anônimo disse...

Na verdade ele parafraseia muita coisa do livro Meditações do Marco Aurélio. Mas foi colocado de maneira muito sábia assim como o estóico. Afina ele estava nu. infelizmente é a vida...Pra não perder a oportunidade: Saudades eternas.